Eu não estava no Congresso da UNE quando todos fomos presos
Subversivos x golpistas
atualizado
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Escrevo há mais de 5 anos, paro e volto a escrever um livro sobre a maior prisão em massa de adversários da ditadura militar de 64. Aconteceu na manhã gelada do dia 12 de outubro de 1968, em Ibiúna, interior de São Paulo, durante o XX Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE)
Éramos cerca de 800 estudantes de todos os Estados. A UNE fora declarada ilegal meses depois do golpe de 31 de março, e sua sede, no Rio, incendiada por vândalos que apoiavam o novo regime. O congresso, portanto, era clandestino, embora realizado em um sítio a céu aberto onde não havia alojamentos nem comida para todos.
Havia , sim, policiais infiltrados, mas só ficamos sabendo quando um destacamento da Força Pública, fortemente armado, invadiu o local dando tiros para o alto. Em fila indiana, caminhamos mais de uma hora, fomos embarcados em caminhões, carros e ônibus e levados para o Presídio Tiradentes, em São Paulo.
Foi ao longo da caminhada que a direção da UNE nos orientou sobre o que dizer quando perguntados. Admitir que participamos do congresso de uma entidade ilegzal nos tornaria réus confessos. Portanto, que cada um inventasse a desculpa que melhor lhe conviesse. Eu já era jornalista, mas não estava ali por isso.
Fora eleito para representar o curso de jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco. Por sinal, todos os representantes da Católica foram escolhidos pelo voto direto dos alunos, e nossos nomes publicados em jornais do Recife. E pensávamos que mesmo assim, dada à fraqueza da ditadura, jamais seríamos presos.
Dias mais tarde, em outra fila, essa dentro do prédio do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) para sermos fichados e interrogados, ouvi um comissário berrar furioso:
“Porra, já interroguei mais de 40. Uns disseram que estavam de férias em Ibiúna, outros que viajavam por lá em lua de mel, outros que estavam reunidos para discutir os rumos da educação do país; nenhum, nem unzinho estava no congresso da UNE.”
Lembrei-me disso ao ler sobre os depoimentos prestados no Supremo Tribunal Federal pelos presos do golpe de 8 de janeiro. Golpistas? Nem unzinho. Alguns alegaram que só estavam ‘orando’ na Praça dos Três Poderes, outros que foram pegos em momento de ‘euforia’, outros que ignoram porque foram presos.
Clayton Costa Candido Nunes, preso dentro do Senado, contou:
“A gente estava em uma manifestação pacífica. Quando a gente viu, começou a ter pólvora e gás e eu corri para dentro do prédio que estava em frente. Encontrei no plenário do Senado um grupo que fazia orações. Tentei ajudar a não quebrar nada”.
Fátima Pleti:
“Entrei no Congresso para ver se estava acontecendo alguma coisa. […] Eu estava muito decepcionada com os policiais, pessoas que eu sempre respeitei, e sempre ensinei minhas filhas a respeitar. Aquilo me provocou uma decepção tremenda, porque eles estavam indo contra pessoas que não tinham feito nada”.
Aécio Lucio Costa Pereira:
“Eu participei de muitas manifestações na Avenida Paulista. Levava meus filhos para participar, comer lanche, tinha gente tocando música. É uma coisa muito familiar. Achei que [em Brasília] era algo desse tipo. Participei e acabei parando aqui.”
Alessandra Faria Rondon:
“Eu estava louvando’ no plenário do Senado naquele 8 de janeiro. Nós fomos orar. Nada o que diz a denúncia é verdadeiro sobre minha conduta. Eu estava com uma Bíblia e a bandeira do Brasil. Tirei muitas fotos dos manifestantes. Não teve baderna”
São 1.250 os réus do 8 de janeiro. O Supremo concluiu a instrução processual das ações contra 228. Foram realizadas 719 oitivas, entre testemunhas e réus. A expectativa do tribunal é de que, em 30 dias, os primeiros casos sejam liberados para julgamento.