Centrão bate à porta do governo e Lula dá-lhe boas-vindas
A pedra mais cantada no ano passado
atualizado
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Certa vez, um advogado famoso em Pernambuco, amigo de Miguel Arraes, que por três vezes governou o Estado, quis saber por que sendo ele um dos ícones da esquerda no país, sempre se elegeu em aliança com setores da direita.
Arraes pigarreou, tomou um gole do uísque da sua predileção, o escocês Johnnie Walker Black Label, deu uma baforada no charuto que acabara de acender, e respondeu:
“Seu doutor, aprenda uma coisa: a gente só se elege com o voto dos outros”.
E em seguida gargalhou, sacudindo todo o corpo.
Poderia ter acrescentado que, para governar, o voto dos outros também era indispensável. Lula aprendeu a lição não com Arraes, mas com a vida. Foi com o voto dos outros que se elegeu presidente pela terceira vez. E será com ele que governará.
As portas do governo estão sendo escancaradas para dar entrada a quem queira apoiá-lo. E o Centrão de Ciro Nogueira (PP-PI), Arthur Lira (PP-AL), Luciano Bivar (União-PE), Marcos Pereira (Republicanos-SP) e Valdemar Costa Neto (PL) pede passagem.
Sim, o PL, partido que abriga e paga as contas do casal Bolsonaro. Sim, o Republicanos pelo qual Tarcísio de Freitas se elegeu governador de São Paulo. Sim, o PP de Nogueira, ex-chefe da Casa Civil do governo Bolsonaro, e de Lira, presidente da Câmara.
Esquisito? Não. O Rei está morto, salve o Rei. Farinha pouca, meu pirão primeiro. Bolsonaro já era, o presidente é Lula, e embora não falte farinha ao governo, aos que chegarem depois o pirão será servido frio. Apressem-se, portanto. A corrida começou.
O PL de Costa Neto (99 deputados federais, 14 senadores) entregou 20 votos para aprovar na Câmara a reforma tributária. Antes, emplacou o engenheiro Fábio Pessoa Nunes como diretor de Infraestrutura Rodoviária do Dnit, que cuida de rodovias.
Dnit é Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, autarquia vinculada ao Ministério da Infraestrutura. Pessoa Nunes foi diretor de Planejamento e Projetos Especiais quando o titular do ministério era… Tarcísio de Freitas. São bons amigos.
Nogueira passou 2022 inteiro a prever a vitória de Bolsonaro. Disse poucas e boas sobre Lula, a quem no passado apoiara, e só fez elogios a Bolsonaro, a quem no passado atacara. Nas suas redes sociais, postou, ontem, uma nota que é um show de realismo:
“Defender o péssimo contra o bom nunca será perdoável pelo povo. O povo quer que o Brasil melhore. E enquanto o ótimo não chega, temos de prezar pelos nossos valores mais profundos, mas sem o radicalismo e o extremismo que não sejam o da coerência”.
“O povo quer que o Brasil melhore” significa: não posso me opor a medidas que sejam boas. “Temos de prezar pelos nossos valores mais profundos” significa: nada. “Sem o radicalismo e o extremismo que não sejam o da coerência” é abobrinha.
No último parágrafo da nota está oculto o adeus de Nogueira a Bolsonaro e o aceno a Lula:
“Ser radical? Ser extremista? Sim. Ser radicalmente a favor do Brasil e extremamente coerente. Se um governo, qualquer um, faz uma autocrítica e passa a defender o que sempre defendemos, não podemos ficar contra nós mesmos”.
Sem o refinamento de Nogueira, Pereira, presidente do Republicanos, bateu em Bolsonaro abaixo da linha de cintura:
“[…] Bolsonaro já se isolou e vem se isolando pelo seu próprio comportamento. Entregou a eleição para o Lula por causa do comportamento dele. Vem se isolando quando começa a brigar com o Judiciário, quando lá no início do governo briga com o Parlamento, quando é contra a vacina”.
A adesão do Centrão a Lula, caso ele derrotasse Bolsonaro, foi a pedra mais cantada de 2022. Bingo!