Cabe ao Senado enterrar a PEC do calote no pagamento de dívidas
Votos do PDT de Ciro Gomes foram decisivos para que a Câmara abrisse caminho a mais uma tentativa de afronta ao Estado de Direito
atualizado
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Gastar além do que o Congresso havia autorizado foi o motivo invocado para justificar a cassação do mandato da presidente Dilma Rousseff. De fato, ela pedalou a Lei de Responsabilidade Fiscal, assim como os presidentes anteriores. O que a derrubou, porém, foi a falta de apoio político para continuar governando.
Com suporte político suficiente para escapar até aqui da abertura de um processo de impeachment, o presidente Jair Bolsonaro quer rasgar a lei do teto de gastos e aplicar um calote no pagamento de dívidas judiciais vencidas (precatórios). Será uma gigantesca pedalada fiscal, além de uma afronta ao Estado de Direito.
Se dependesse só da Câmara dos Deputados, a pedalada e a afronta estariam consumadas. Por 312 votos, apenas quatro a mais do que o necessário, a Câmara aprovou em primeiro turno o texto básico da chamada Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios. O segundo turno é mera formalidade.
Depois, a PEC será votada no Senado. Precisará de, no mínimo, 49 votos do total de 81. A resistência, ali, é grande ao que o governo pretende. Sob o pretexto de socorrer os brasileiros mais pobres atingidos pela pandemia de Covid-19, o que o governo quer é ter mais dinheiro para gastar com a reeleição de Bolsonaro.
Rasgar a lei do teto de gastos aprovada pelo Congresso no governo Michel Temer não seria a única maneira para que Bolsonaro pudesse socorrer os pobres, que recentemente descobriu. Ele poderia cortar despesas. Ou reduzir o orçamento secreto que paga obras em redutos eleitorais dos parlamentares que o apoiam.
Cadê coragem para tal? Cortar despesas via reforma administrativa o poria em choque com os servidores públicos e lhe custaria muitos votos. Reduzir o orçamento secreto seria mortal porque o Centrão simplesmente o abandonaria. Aí, adeus à reeleição, com a volta do fantasma do impeachment.
Em 2001, no governo de Fernando Henrique Cardoso, o Congresso aprovou uma PEC que parcelava o pagamento de precatórios. O Supremo Tribunal Federal levou 9 anos para julgar e concluir que a PEC atropelava a Constituição. Os estragos produzidos por ela estavam feitos, para horror dos que prezam pelo Estado de Direito.
Calote em precatório é descumprir sentença transitada em julgado. Sentença transitada em julgado significa que não cabe mais recurso judicial. Precatório é uma dívida a ser paga sem demora.