Braga Netto usou o Ministério da Defesa como barriga de aluguel
Dinheiro das Forças Armadas foi desviado para a construção de obras em redutos eleitorais de senadores aliados do governo
atualizado
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Nunca antes na história o dinheiro público destinado às Forças Armadas beneficiou políticos que votam no Congresso para aprovar projetos do governo, uma forma nova de mensalão.
Sabe-se agora que aconteceu em 2021, quando R$ 401 milhões de um total de R$ 588 milhões do orçamento secreto do Ministério da Defesa contemplaram aliados do governo no Senado.
Orçamento secreto já é uma aberração. É chamado de secreto porque quem se favorece dele não é identificado. Aberração maior é usar dinheiro das Forças Armadas com fins eleitorais.
O Calha Norte é um programa criado nos anos 1980 para investir em projetos de infraestrutura básica, aquisição de equipamentos e compra de bens para quartéis em regiões remotas do país.
O general Walter Braga Netto, ministro da Defesa até a semana passada, concordou que parte do dinheiro reservado ao programa fosse gasto com obras em redutos políticos de amigos do governo.
Obras como a construção de praças, passarelas de concreto, edifícios para abrigar Câmaras de Vereadores e até uma capela funerária, essa em São Felix do Araguaia, interior do Mato Grosso.
Município com 12 mil habitantes, a obra tem sido celebrada pela prefeita Janailza Taveira Leite (Solidariedade) como a “primeira capela mortuária da cidade”.
“Só tenho a agradecer à boa gestão do Braga Netto e ao senador Wellington Fagundes (PL-MT). O senador é campeão de votos aqui e vai ser de novo nessa eleição”, aposta a prefeita.
PL é o partido do ex-mensaleiro Valdemar Costa Netto ao qual se filiou Bolsonaro com sua gangue. Braga Netto também, para substituir o general Hamilton Mourão como vice de Bolsonaro.
O dinheiro do Calha Norte desviado por Braga Netto fez a festa de 11 senadores, nenhum da oposição. O que mais festejou foi Márcio Bittar (União Brasil-AC), relator-geral do Orçamento.
Coube a Bittar R$ 203,7 milhões. Depois dele, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), ex-presidente do Senado, com R$ 79,3 milhões. E Chico Rodrigues (União Brasil-RR), com R$ 30 milhões.
Rodrigues tornou-se famoso em 2020 ao esconder R$ 33 mil entre as nádegas durante batida da Polícia Federal à sua casa em Roraima. Na época, era vice-líder do governo no Senado.
“Em nenhum momento da minha vida militar vi recursos da Defesa empregados para atender interesses que não sejam missão das Forças Armadas”, diz o general da reserva Paulo Chagas.
O general foi chefe de Gabinete do Estado-Maior do Exército e, nas eleições de 2018, declarou voto em Bolsonaro, cujo governo emprega mais de 6 mil militares da ativa e da reserva.
“Trata-se de um flagrante desvio de funções do Ministério da Defesa e, como tal, coloca em posição delicada o general Braga Netto”, afirma José Murilo de Carvalho, historiador militar.
Braga Netto calou-se. Bolsonaro deu-lhe a missão de viabilizar-se politicamente para ser seu vice. Missão dada, missão cumprida. Manda quem pode, obedece quem tem juízo, e ele tem.
“Às favas todos os escrúpulos”, como ensinou o coronel Jarbas Passarinho ao assinar o Ato Institucional nº 5, em dezembro de 1968, que deu início à fase mais brutal da ditadura militar de 64.