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Na noite de 14 de março de 1985, enquanto o presidente eleito Tancredo Neves se preparava para ser operado de emergência a menos de 12 horas de ser empossado, a República procurava uma resposta à pergunta que estava na boca de quase todo mundo: quem governaria o país a partir do dia seguinte – José Sarney, o vice, ou o deputado Ulysses Guimarães, presidente da Câmara?
Menos de um ano antes, Sarney era o presidente do PDS, partido que apoiava a ditadura militar agonizante. Ulysses e Tancredo sempre foram do MDB, partido de oposição ao regime. Com um exemplar da Constituição na mão, quem decidiu a parada foi o general Leônidas Pires Gonçalves, futuro ministro do Exército. No início da madrugada do dia 15, ele telefonou para Sarney e disse:
“Boa noite, presidente”.
Sarney rezou antes de ir para a cama e quase não dormiu. Tomou posse no dia seguinte diante do Congresso, uma vez que o general-presidente João Baptista Figueiredo se recusava a vestir-lhe a faixa presidencial, saindo do Palácio do Planalto pelas portas do fundo. Enquanto jurava cumprir a Constituição, a mão direita de Sarney tremia. Tancredo morreu depois de ser operado 7 vezes.
Durante os 580 dias em que esteve preso em Curitiba, Luiz Inácio Lula da Silva foi dormir e acordou ouvindo o coro dos militantes do PT acampados nas vizinhanças da sede da Polícia Federal: “Boa noite, presidente”; “Bom dia, presidente”. Não haverá coro, hoje, para acordá-lo no hotel de Brasília que o acolhe. Mas se houvesse, ele seria representativo dos 60.345.999 brasileiros que o elegeram.
Bolsonaro foi um presidente acidental. Estava no lugar certo, na hora certa, quando passou a carruagem do Poder e ele pulou para dentro. A facada que levou em Juiz de Fora em setembro de 2018 também lhe foi aplicada na hora certa, poucos depois de a Justiça ter declarado Lula inelegível. Em agosto, Lula aparecia nas pesquisas com 39% das intenções de voto, e Bolsonaro, 19%,
Lula é um presidente improvável. Quem diria que o menino pobre que migrou do Nordeste para São Paulo, ali passou fome e perdeu um dedo em um torno mecânico, fundaria um partido e quase se elegeria da primeira vez que disputou a presidência? Perdeu mais duas vezes, em seguida elegeu-se e se reelegeu. E agora será o presidente a conquistar três vitórias em eleições pelo voto popular.
Natural que esteja eufórico, embora tente disfarçar, e muito mais emotivo do que de costume. Chora sempre que fala de dona Lindu, sua mãe, ou que um amigo relembra sua acidentada trajetória de vida. No período que esteve preso, enterrou a mulher, um irmão e um neto. Deram-lhe como politicamente morto. Solto até poderia ser um dia, mas candidato a qualquer coisa jamais.
Encerrada a festa de posse, tomara que pacífica, seu desafio será superar os dois bons governos que fez, o primeiro melhor do que o segundo; dar de comer a quem tem fome e reconciliar o país. Sua obra, então, estará completa. Se conseguir e a saúde conceder, a eleição presidencial de 2026 se dará novamente à sua sombra, como se deram todas desde 1989, lá se vão 34 anos.
Boa sorte, presidente.