Compartilhar notícia
A política parece cada vez mais incompatível com a verdade, agravada pelo fato de que a internet se transformou em um conduto de mentiras. Com ela, porém, certas verdades já não podem mais ser escondidas como foram no passado.
Somente com o livro de memórias do romancista Autran Dourado, publicado pela editora Rocco em 2000, soube-se que Juscelino Kubitschek teve um infarto quando presidia o Brasil. JK governou de 1956 a 1961. Morreu em um acidente de carro em 1976.
Foi a dona Sara Kubitschek, contrariando Dourado, que não deixou que se contasse a verdade sobre o infarto. O vice de JK, João Goulart, não era bem-visto pelos militares. E dona Sara temia a reação deles caso Goulart assumisse o cargo.
Em 1969, acometido de trombose cerebral, o então general e presidente Arthur da Costa e Silva ficou temporariamente impedido de governar. Seu vice era o político mineiro Pedro Aleixo, um liberal que defendia o restabelecimento da democracia.
Os militares esconderam a doença de Costa e Silva enquanto decidiam o que fazer. Aleixo foi afastado. Uma Junta Militar, formada pelos ministros do Exército, Marinha e Aeronáutica, assumiu o poder e baixou um novo ato reformando a Constituição.
A Junta manteve em vigor o AI-5 e editou o AI-13, que instituiu o “banimento do território nacional de pessoas perigosas para a segurança nacional”, e o AI-14, ato que admitiu a aplicação da pena de morte ou prisão perpétua em casos de “guerra subversiva”.
O piauiense Petrônio Portella, então senador da Arena, partido da ditadura, estava cotado para suceder o general e presidente João Figueiredo. Fumante, hipertenso e diabético, era ministro da Justiça e tinha a confiança dos militares e da oposição ao regime.
Portella teve um princípio de infarto no final de 1979, em Santa Catarina, mas só contou ao seu médico e não quis ser internado por achar que isso enfraqueceria sua eventual candidatura. Morreu em 6 de janeiro de 1980, vítima de um ataque cardíaco em Brasília.
Com a cumplicidade dos seus médicos, o mineiro Tancredo Neves escondeu durante meses a doença que acabaria por matá-lo em 1985, logo depois de se eleger presidente da República, mas antes de tomar posse – um tumor benigno, embora infectado.
O esconde-esconde foi interrompido com o surgimento de uma mulher, a primeira a candidatar-se a presidente, a ser eleita duas vezes, e depois derrubada pelo Congresso. Dilma teve um câncer em sua axila esquerda, retirado com sucesso.
À época, sequer era candidata à sucessão de Lula, apenas ministra da Casa Civil. Seu drama pessoal foi acompanhado pelo país noite e dia. Nada se ocultou. O exemplo de Dilma foi seguido por Lula, que em 2011 se operou de um câncer na laringe.
Curou-se. Parou de fumar. Exercita-se diariamente. Controla o peso. Por duas vezes, foi vítima da Covid-19 e salvo pela vacina. Em setembro do ano passado, operou-se para colocação de prótese no quadril e a retirada do excesso de pele nas pálpebras.
Cuidaram dele os médicos Roberto Kalil Filho, Ana Helena Germoglio e Giancarlo Polesello, os mesmos que o atenderam no último sábado depois que se partiu um dos pés do banco onde Lula sentava enquanto tomava banho no Palácio da Alvorada.
O tombo resultou em um corte na região de trás da cabeça, na área da nuca. Um exame de ressonância magnética indicou “uns pontinhos de sangramento muito pequenos em outra região”, disse Kalil. Existe a possibilidade de o sangramento aumentar.
Democracia requer transparência. Dilma sabe e Lula também. Transparência nada tem a ver com exibicionismo descarado para extrair vantagens do próprio sofrimento, como fez Bolsonaro depois da facada que quase lhe custou a vida.