Bolsonaro vai debater com Lula. Mas poderá também não ir
O jogo do esconde-esconde
atualizado
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Conta a lenda que duas das maiores raposas da política mineira, José Maria Alckmin e Benedito Valares, encontraram-se um dia no aeroporto de Belo Horizonte. Abraçaram-se e Alckmin perguntou a Valadares para onde ele iria. Valadares respondeu que iria ao Rio.
Alckmin, mais tarde, cochichou a um amigo:
“Benedito me disse que irá ao Rio para que eu pense que ele irá a Brasília, mas ele irá mesmo ao Rio”.
Bolsonaro anunciou finalmente que irá amanhã ao debate da Rede Bandeirantes de Televisão entre os candidatos a presidente da República. Na véspera, por meio de um porta-voz, Lula assegurou que também irá. Mas se Bolsonaro não for, Lula talvez não vá.
O temor de Bolsonaro é que se não for, mesmo assim Lula vá e aproveite o debate para acusá-lo de ser fujão, e o ataque sem que ninguém o defenda. O mais provável, portanto, é que Bolsonaro vá, sim, embora no último minuto possa desistir de ir.
A assessoria de Bolsonaro está dividida quanto a isso. Parte acha que o segundo turno é agora e que ele não pode se negar a debater. Lula está à frente das pesquisas e alguém tem de barrar sua ascensão. Não ir, favorece Lula e passaria a imagem de medroso.
Outra parte da assessoria acha que melhor é não ir, deixar Lula e Ciro Gomes (PDT) se digladiarem, e assistir de camarote ao desgaste dos dois. Indo, Bolsonaro corre o risco de virar saco de pancadas de todos. Um escorregão poderia ser mortal para ele.
O general Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria-Geral da Presidência, comunicou à direção de jornalismo da BAND que Bolsonaro comparecerá ao debate. A direção torce para que seja verdade, mas só saberá em cima da hora marcada.
Disse Bolsonaro, ontem, em um dia de particular irritação:
“Num momento achei que não devia ir, agora acho que devo ir. Vão atirar em mim o tempo todo, porque sou um alvo compensador. Mas acredito que a minha estratégia vai dar certo porque as perguntas já preparei e as respostas vão ser simples”.
Na primeira eleição pelo voto popular para presidente depois da ditadura militar de 64, Lula foi a todos os debates no primeiro turno, e Fernando Collor a nenhum. No segundo, os dois debateram duas vezes: Lula ganhou a primeira, Collor a segunda.
É raro que um debate decida a sorte de uma eleição. Quem lidera as pesquisas costuma ser apontado como vencedor do debate por seus eleitores mesmo que não tenha sido o melhor. De resto, na eleição deste ano, a definição do voto consolidou-se cedo demais.
Lula joga parado, e assim irá até o fim se não perder a vantagem que tem. Bolsonaro está sendo obrigado a ir para cima. Ele reconhece que Lula foi muito bem na entrevista ao Jornal Nacional, só não está seguro de que o vencerá em um debate.
O profissional é Lula. Bolsonaro provou que é um amador ao rebater o que Lula falou no Jornal Nacional. Lula falou de fome. Bolsonaro disse que “não tem filé mignon para todo mundo” e que nunca viu ninguém na rua pedindo um pão para comer.
Lula malhou a ala “fascista” do agronegócio e defendeu a Amazônia. Bolsonaro retrucou que a questão “mais importante” na Amazônia, hoje, é o agronegócio. Lula disse que quer voltar a presidir o país para fazer o que não conseguiu fazer.
Bolsonaro, em reunião na Associação Comercial de São Paulo a poucas horas de montar um cavalo na Festa do Peão, em Barretos, interior de São Paulo, e rezar um Pai Nosso, declarou
“Se alguém acha que eu tenho amor àquela cadeira [de presidente], se puder falar palavrão aqui, vai pra ponta da praia. É uma merda”.
“Ponta da praia” é uma expressão usada por militares para referir-se à Restinga da Marambaia, no Rio de Janeiro. O local ficou conhecido pela tortura e morte de presos políticos durante a ditadura militar.