Bolsonaro reserva-se ao direito de ficar em silêncio sobre corrupção
Impeachment ou deixar sangrar até o fim? Faz parte do show da política pedir uma coisa e torcer por outra
atualizado
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Queixam-se os de sempre que é justamente em uma hora dessas que aconselhar o presidente Jair Bolsonaro a proceder assim ou assado torna-se uma das mais ingratas tarefas para os que a exercem, e quase sempre destinada ao fracasso. Daí as tantas idas e vindas que marcam o comportamento errático do governo.
Negacionista que é, Bolsonaro só enxerga ou escuta o que quer, confia acima de tudo em sua intuição e terceiriza a culpa pelos próprios erros. Tem vida curta ao seu lado quem tenta contrariar as suas vontades, é logo expelido. Não tem futuro quem não se renda aos poucos às suas mais bizarras exigências.
A receita vale para tudo no exame dos assuntos mais sérios aos mais prosaicos. General de quatro estrelas, seu amigo há mais de 40 anos, sentiu-se obrigado a se vacinar às escondidas contra a Covid-19, e só admitiu que o tinha feito em voz baixa, em conversa com uma pessoa amiga, sem saber que a reunião era gravada.
Esse general, mas não só ele, borra-se de medo quando tem de despachar com Bolsonaro. Antes, procura saber como está o humor dele, se foi ouvido a disparar palavrões pelo celular, com quem por último se reuniu, e em que estado a pessoa deixou o gabinete presidencial. Qualquer informação é preciosa.
O alerta de sinal vermelho foi automaticamente ligado no terceiro andar do Palácio do Planalto desde que se tornou pública, faz uma semana, a denúncia de corrupção na compra de vacinas pelo Ministério da Saúde e, nos dias mais recentes, a suspeita de que Bolsonaro foi grampeado pelos irmãos Miranda.
Trabalha-se com a certeza de que Bolsonaro foi grampeado, sim. Não só porque o deputado Luis Miranda (DEM-DF) já grampeou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), em reunião quase pública do colégio de líderes de partidos, mas pela publicação de frases que Miranda teria ouvido de Bolsonaro.
O presidente da República reconhece como suas as frases que o deputado lhe atribui. Foram ditas ao receber Miranda e seu irmão em audiência informal no Palácio da Alvorada em 20 de março último, um sábado. Ou há gravação ou Miranda tem uma ótima memória e sabe blefar. O que fazer numa hipótese ou noutra?
Melhor partir da hipótese de que a gravação existe e de que em breve será divulgada. É por isso que Bolsonaro, por ora, reserva-se ao direito de permanecer em silêncio. Enquanto aguarda, testa aqui e acolá peças de um discurso ainda a ser costurado para defender-se da acusação de que incorreu em mais de um crime.
Há 48 horas, disse: “Querem o quê? A volta da cambada que tinha no passado?”. Abriu o flanco para ouvir de volta: “E quem disse que a cambada do presente não pode ser pior?”. Ontem, em mais uma cerimônia militar, porque é disso que ele gosta e se ocupa, disparou irritado:
– Não vai ser com mentiras ou CPI integrada por sete bandidos que vão nos tirar daqui.
Ouviu de volta do senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI:
— Pare de se olhar no espelho.
Vai ter impeachment ou não vai ter? É provável que não tenha. Um processo de impeachment demora meses, e a próxima eleição presidencial é logo ali. De resto, mesmo a oposição prefere que Bolsonaro vá para a UTI, mas que não morra para que chegue exangue às urnas eletrônicas, sem voto impresso.
Faz parte do show da política pedir o impeachment e ocupar as ruas com manifestações como as convocadas para este sábado. Todo sofrimento imposto a Bolsonaro e à sua turma não é nada se comparado com o sofrimento que eles impuseram ao país até aqui.