Bolsonaro e o escafandrista do bar do Antonio’s, no Leblon
A naturalização da estupidez
atualizado
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Como discordar de Bolsonaro quando ele diz, como disse, ontem, a um grupo de empresários paulistas:
“Eu não tinha nada para estar aqui na presidência. Nem levo jeito. Nasci para ser militar. Entrei na política meio por acaso”.
Dá para discordar do que disse em seguida, referindo-se à sua eleição há quatro anos:
“Deus botou a mão sobre o Brasil”.
Se tivesse posto, a pandemia não teria recebido passe livre do governo para matar mais de 667 mil pessoas, nem haveria 33,4 milhões de famintos, nem a situação do Brasil teria piorado.
Acostumamo-nos com o que diz e faz Bolsonaro por mais estúpido que seja. E mesmo que ele não se reeleja, a naturalização da estupidez será o seu maior legado, para desgraça do país.
Conta a lenda que nos anos 1970, um escafandrista, vestido com sua pesada roupa de mergulho, entrou no bar e restaurante Antonio’s, reduto da boemia carioca, no Leblon. Sentou-se a uma mesa de canto, tirou a máscara e pediu um chope.
As outras 12 mesas estavam ocupadas, o alarido era grande, mas todos fingiram não ver o escafandrista. Depois de algum tempo, o jornalista João Saldanha, irritado com a indiferença coletiva diante do inusitado, subiu numa cadeira e falou em voz alta:
“Gente, tem um escafandrista entre nós e isso não é normal”.
Ninguém disse nada e a vida seguiu.
Gente, não é normal que Bolsonaro tenha pedido ajuda americana para derrotar Lula em outubro próximo. E logo no seu primeiro encontro com o presidente Joe Biden.
Bolsonaro apoiou a reeleição de Trump e sua tentativa de dar um golpe que culminou com a invasão do prédio do Congresso. Foi um dos últimos chefes de Estado a parabenizar Biden pela vitória.
Será que ele imaginava ouvir de Biden que os Estados Unidos apoiariam sua reeleição? Biden mudou de assunto. A informação vazou e foi publicada, deixando Bolsonaro mal na foto.
Gente, não é normal que de Los Ângeles, onde se reuniu com Biden, Bolsonaro tenha voado a Orlando e liderado uma motociata na companhia de um blogueiro foragido da justiça brasileira.
Anderson Torres, ministro da Justiça, assistiu à cena. Para não ser preso por ordem do Supremo Tribunal Federal, o blogueiro fugiu com a ajuda de um dos filhos de Bolsonaro, Eduardo, o Zero Três.
Gente, também não é normal que Bolsonaro vá sábado a Manaus para outro passeio. Manaus é o coração da Amazônia onde desapareceram o indigenista Bruno Pereira e o jornalista inglês Dom Phillips.
Pertences dos dois já foram achados, mas seus corpos, não. O crime chocou o mundo, menos a Bolsonaro, que chamou Pereira e Phillips de aventureiros e culpou-os pelo que aconteceu.
Não, gente, não é normal que um presidente da República proceda dessa forma. Seu despreparo para o cargo que ocupa não justifica tamanho desamor pela vida alheia.
Das sete vezes em que Bolsonaro se elegeu deputado federal, cinco foram pelo voto eletrônico que ele agora quer desacreditar. Pelo voto eletrônico, elegeu-se presidente.
Dia sim, outro também, Bolsonaro apregoa que não haverá eleições se as urnas não puderem ser auditadas. Ele sabe que elas podem e serão auditadas, mas seu propósito é tumultuar o país.
Está à procura de um acordo por debaixo do pano com a Justiça. Topa aceitar o veredito popular, seja qual for, desde que em caso de derrota não seja preso, nem seus filhos.
Gente, uma coisa dessas definitivamente não é normal. E de nada adianta fingir que não vemos.