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Bolsonaro, de ladrão de joias a inimigo da democracia

Ou as duas coisas juntas

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Valter Campanato / Agência Brasil
Bolsonaro
1 de 1 Bolsonaro - Foto: Valter Campanato / Agência Brasil

Elementar: quanto mais Bolsonaro se complica, melhor para seus adversários. O que elementar não é: que ele se estrepasse por atos deliberados que carregam suas indeléveis impressões digitais.

Entenda-se por deliberados: atos de sua iniciativa, sobre os quais deve ter refletido bastante. Supor o contrário seria achar que Bolsonaro não tem juízo, comporta-se como um animal irracional.

Ele pode ser inculto, como tantas vezes demonstrou. Se não mentiu, e como já disse, só leu, ou mal leu, um livro em toda a sua vida – as memórias do coronel torturador Carlos Alberto Ustra.

Mas uma toupeira, seguramente ele não é. Uma toupeira não chega à presidência da República. Em 2018, unir a direita em torno de si foi uma obra admirável de argúcia e arquitetura política.

Deu azar no ano passado ao esbarrar em Lula que imaginara fora do seu caminho desde que o ex-juiz Sérgio Moro o prendera e condenara. Ainda assim, perdeu por uma titica de votos.

Era para ter perdido por uma grande diferença, afinal carregava nas costas 700 mil mortos pela Covid, a situação deplorável da economia e os ataques furiosos à democracia que jurou respeitar.

Ao seu modo, fez quase tudo certo para tentar se reeleger. Ao perder, entrou em estado de choque. De lá para cá, fez tudo errado. Tivesse reconhecido a derrota, não estaria à beira do cadafalso.

Provocava-lhe náuseas telefonar para Lula parabenizando-o pela vitória? Era-lhe inadmissível participar da cerimônia de transferência da faixa presidencial? Absurdo, mas sairia na urina.

Não foi, porém, o que aconteceu. Paralisado, com a erisipela a aumentar seu sofrimento, absteve-se de governar por dois meses e estimulou silenciosamente o golpe de 8 de janeiro.

Ou os golpistas teriam ido às ruas se Bolsonaro, de pronto, ordenasse o retorno para casa? Ou o Exército deixaria contra a vontade de Bolsonaro que golpistas acampassem à sua porta?

Para completar a desdita, antes de fugir para os Estados Unidos de onde não deveria ter voltado tão cedo, Bolsonaro caiu na tentação de surrupiar joias que seriam incorporadas ao acervo do Estado.

E, de fato, surrupiou uma parte – infelizmente, para ele, a de menor valor. E tentou surrupiar a outra parte, no valor de 16,5 milhões de reais, que fora apreendida pela Receita Federal.

Vem, agora, em depoimento à Polícia Federal, e diz com a maior cara de pau que só tomou conhecimento das joias dadas de presente pela ditadura da Arábia Saudita mais de um ano depois.

E que ao tentar reavê-las, quis salvar o Brasil da vergonha de apreender presentes oferecidos por um governo ao outro. Ora, por que não os declarou desde logo como presentes entre governos?

As joias teriam sido liberadas, conforme a lei. E por que se apropriou de parte delas que lhe chegou às mãos, levando-as ao deixar o governo? É uma história sem pé nem cabeça, surreal.

Em resumo, no que Bolsonaro quer que acreditemos:

* Que apenas a poucos dias do fim do seu governo ficou sabendo que jazia há mais de um ano em um cofre da Receita um estojo com joias destinadas a Michelle;

* Que por mais de um ano sonegaram-lhe a informação de que um estojo com joias destinadas a ele esteve guardado em algum lugar do Ministério das Minas e Energia, não se sabe por quê;

* Que sinceramente não lembra do nome do auxiliar que o avisou sobre as joias para ele e para Michelle trazidas da Arábia Saudita pelo almirante e ex-ministro Bento Albuquerque.

A história é outra, e poderá custar-lhe o indiciamento em crimes de peculato e corrupção passiva. Deixar a cena como ladrão é pior do que ficar inelegível por sabotar a democracia.

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