Boletim do golpe (XVIII) – Militares distantes do ensaio de setembro
Associação com Bolsonaro só faz mal aos fardados
atualizado
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Bolsonaro mudou de assunto. É o que faz sempre quando obrigado a recuar por qualquer razão. Anunciou no início de agosto que o desfile militar do 7 de setembro no Rio seria transferido da Avenida Presidente Vargas para a orla de Copacabana.
Se os bolsonaristas não estivessem dispostos a trocar um dia de sol e de praia para festejar seu ídolo no centro da cidade, o ídolo, no caso ele, iria ao seu encontro com soldados, tanques fumacentos e todo o aparato disponível para se fazer uma guerra.
À falta de uma desde que brasileiros, argentinos e uruguaios quase dizimaram a população do Paraguai entre dezembro de 1864 e março de 1870, a guerra daria lugar a mais um ensaio de golpe como o de 7 de setembro do ano passado, que se frustrou.
Apesar de em parte sequestrados por Bolsonaro, os militares ainda não perderam o juízo de todo. Sim, eles não querem ter de bater continência de novo para Lula, e por isso apoiaram Bolsonaro há quatro anos e o apoiarão este ano outra vez.
Mas já pagaram um preço enorme em termos de imagem ao se render a todas as vontades do ex-capitão expulso do Exército nos anos 1980. Haviam aprendido que quando a política entra nos quartéis pela porta da frente, a disciplina escapa pelos fundos.
Desaprenderam, e agora parecem lamentar. Credibilidade é atributo que exige muito tempo para ser construído; perdê-la é como ir logo ali na esquina. A recente pesquisa Ipsos mostra que a credibilidade das Forças Armadas caiu em relação a 2021.
Pior: ela é a quarta ou quinta mais baixa entre 28 países analisados. Só 30% dos brasileiros, hoje, confiam nos militares. São 11 pontos percentuais a menos que a média global. Foi uma queda de cinco pontos percentuais em relação ao ano passado.
Empatamos com os poloneses, onde o governante é uma personalidade autoritária. A confiança na farda por aqui só é maior do que na Colômbia (29%), África do Sul (28%) e Coreia do Sul (25%). O Datafolha também registrou o mesmo fenômeno.
A perda de confiança nos militares só tem uma explicação: o alinhamento automático com Bolsonaro e seu governo mal avaliado. Se é impossível a essa altura divorciar-se dos dois, a prudência manda que o casamento pelo menos não se fortaleça.
Então, os chefes militares disseram a Bolsonaro que misturar o desfile de 7 de setembro com comício a favor da reeleição pegaria mal e seria arriscado. Como eles ficariam na foto se bolsonaristas fanáticos aproveitassem a ocasião para pedir a volta da ditadura?
E se bolsonaristas e lulistas entrassem em conflito? Não se pode proibir lulistas de saírem às ruas para assistir ao desfile. O patriotismo, por mais que Bolsonaro queira, não é monopólio dos seus devotos. E se um lulista fosse morto ou ferido gravemente?
Um dia desses, em Foz de Iguaçu, um policial bolsonarista invadiu a festa de aniversário de um policial lulista e o matou a tiros. Encarregada da segurança dos candidatos a presidente, a Polícia Federal pediu reforços para garantir a segurança de Lula.
Graças a Bolsonaro, o país se armou e disso se beneficiaram principalmente as milícias e o crime organizado. Fazendeiros e seus capangas andam armados no interior do país à espera de uma invasão pelo Movimento dos Sem Terra que nunca acontece.
De resto, a turma da campanha de Bolsonaro o advertiu para a possibilidade de um 7 de setembro golpista voltar-se contra ele ao invés de ajudá-lo a crescer nas pesquisas de intenção de voto. Faltam apenas 53 dias para as eleições no primeiro turno.