Boletim do golpe (XIII) – Bestializados, assistimos aos preparativos
“Cartas de repúdio são ridículas” (Mariliz Pereira Jorge)
atualizado
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Em 15 de novembro de 1889, o marechal Deodoro da Fonseca, monarquista de raiz e amigo do Imperador Dom Pedro II, foi retirado de sua casa, no Rio, e levado adoentado até a Praça da Aclamação para subir em um cavalo e bradar: “Viva a República”.
O que o povo assistiu “bestializado, sem compreender o que se passava, julgando ver talvez uma parada militar”, segundo o republicano Aristides Lobo, era o golpe político-militar que pôs fim ao regime imperial. E assim nasceu a República.
Bestializados ou não, já assistimos muitas coisas desde então, sabendo ou ignorando o que de fato se passava. Os últimos 3 anos foram pródigos em fatos bestiais, o mais recente a pandemia que por omissão do governo matou mais de 675 mil pessoas.
Como foi possível contemplarmos, inertes, um governo dar passe livre à Covid-19, receitar drogas comprovadamente ineficazes para combatê-la enquanto pessoas morriam por falta de oxigênio em hospitais, e retardar o mais que pôde a compra de vacinas?
Outra vez indiferentes ou bestializados testemunhamos o presidente da República conspirar a céu aberto contra a democracia que tantas vezes já nos foi negada – a última delas, por tristes 21 anos ininterruptos. E em nome do que aconteceu?
Em nome de proteger a democracia ameaçada pelo fantasma do comunismo. Torturou-se, matou-se, suspendeu-se todo tipo de liberdade para salvar-se a democracia. Uma vez salva, novamente ela está em perigo. A Rússia de Vladimir Putin já não é comunista.
A China, que se diz comunista, é nosso maior parceiro comercial. Cuba de Fidel Castro e Che Guevara deixou de existir. Agora, é um delirante ex-capitão, expulso do Exército por ser um mau militar, que ameaça a democracia aqui restabelecida há apenas 37 anos.
Seria uma piada se não fosse verdade. Seria difícil de crer, mas não diante da estupefação das instituições que se limitam a confrontá-lo por meio de notas de repúdio. Cartas de amor são ridículas, disse o poeta Fernando Pessoa. Notas de repúdio, também.
Se antes era o controle remoto que nos tornava cativos de um aparelho onde imaginávamos ver o mundo, agora é o celular que se presta ao mesmo papel. A internet virou nossa trincheira. Por ela respondemos ao fogo inimigo que mata de morte morrida.
A 74 dias das eleições, a Justiça pouco fará para impedir a escalada do golpismo escancarado. Ela não sabe o que poderia ser pior: fazer o jogo do ex-capitão e dos seus asseclas punindo-os, ou deixar que vão em frente, torcendo para que sejam malsucedidos.
Do Congresso comprado com o Orçamento Secreto, nada se deve esperar. Das Forças Armadas cooptadas por Bolsonaro, se muito, que respeitem o resultado das urnas. No mais, que seja o que Deus quiser, embora ele não se meta nas coisas dos homens.