Ateneia Feijó, com ela se vai uma parte da história do jornalismo
Choro por ela e por mim
atualizado
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Ao longo de 56 anos como amigos, nunca a vi levantar a voz em conversa com ninguém. Nunca a vi sem paciência para escutar quem quer que fosse, sempre atenta a tudo o que lhe diziam.
O que mais a fascinava era observar de perto tudo o que pudesse retratar mais tarde, obstinadamente dando voz, de preferência, aos que não eram ouvidos – pretos, pobres, indígenas, quilombolas.
Os deserdados da sorte, esses acima de todos, a atraiam, embora ela passasse por eles sem se fazer notar. Nunca quis ser notada. O que lhe interessava é que notassem o que contava.
Foi uma formidável contadora de histórias e, quando deixou as redações de jornais e revistas, dedicou-se a contá-las em livros dirigidos às crianças. Parecia uma delas, pequena e magrinha.
De início, invejei sua disposição de viajar por toda parte do Brasil que o “Brazil” não fazia questão de conhecer. A expressão “Faria Limers” não é da sua época, e se fosse ela não a usaria.
Detestava modismos. Punha toda a sua fé no poder das palavras como instrumento capaz de mudar o mundo. Daí sua preocupação em se fazer entender, e seu domínio acurado da língua.
Invejei também sua falta de pressa ao escrever. Foi uma fase em que o jornalismo se dava ao luxo de conceder tempo o bastante aos que o exerciam em troca de textos profundos e bem elaborados.
Embora a diferença de idade entre nós fosse pequena, fui seu aluno aplicado, e ela uma professora carinhosa. Quando pude, já morando em Brasília, trouxe-a duas vezes para trabalhar comigo.
Não só pelo prazer, pela amizade e admiração por ela. Também para que servisse de exemplo às novas gerações de jornalistas. Pena que foi por pouco tempo. O Rio de Janeiro era sua casa.
Foi ali, ontem, de madrugada, aos cuidados de Mário, seu filho único, que ela morreu dormindo. Com Ateneia Feijó se vai muito do que sou. É uma perda dupla. Choro por ela e por mim.