As duas coisas que faltam aos militares, e só uma delas prestaria
Tempos sombrios
atualizado
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Assim como os civis não podem ir à guerra porque lhes falta habilitação para tanto, pelo mesmo motivo os militares não podem governar. Por sinal, a Constituição deixa claro o papel de cada um.
O governo Bolsonaro é uma prova disso. Jamais houve um governo tão militarizado como o dele, e agora se sabe por que: desde o início, o pior presidente da história só pensava em dar um golpe.
Talvez o objetivo dos militares que o ajudaram a se eleger não fosse o mesmo. Para eles, talvez bastasse retornar ao poder por meio do voto, e não mais por meio das armas, como em 1964.
O desgaste seria menor. Eles desfrutariam das benesses de ocupar cargos públicos de relevo, muitos deles antes destinados aos civis, e voltariam a exercer forte influência sobre os destinos do país.
Ninguém mais do que os chefes militares conheciam todas as fraquezas e mazelas de Bolsonaro, e por isso se sentiam aptos a controlá-lo. Pois aconteceu justamente o contrário.
Por ter sido militar até ser expurgado do Exército acusado de indisciplina, Bolsonaro igualmente os conhecia e soube se impor. Os ex-colegas de farda passaram a comer na sua mão.
Presidente da República no modelo imperial brasileiro não pode tudo, mas pode em demasia. Os militares puderam quase tudo durante a ditadura, mas deixaram de poder.
O general de brigada Eduardo Pazuello, hoje deputado federal, foi um exemplo da incompetência dos militares para governar quando Bolsonaro o nomeou ministro da Saúde, mas não foi o único.
Chefe da Casa Civil e ministro da Defesa, o general Braga Netto foi também um fiasco, assim como o general Luiz Eduardo Ramos, ex-ministro da Casa Civil e das Secretarias Geral e de Governo.
Eduardo Ramos escapou até aqui à suspeita de que se envolveu com as tentativas de golpe de dezembro de 2022 e de 8 de janeiro de 2023; Braga Netto, general de quatro estrelas, está preso.
Estão soltos, na condição de indiciados pela Polícia Federal, os generais Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional, e Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa.
Em breve, todos eles e mais duas dezenas de altos oficiais das Forças Armadas serão denunciados pela Procuradoria-Geral da República e julgados pelo Supremo Tribunal Federal.
No momento, o ambiente na caserna é péssimo diante da possibilidade de que mais militares venham a se sentar no banco dos réus. Teme-se que eventuais atos de indisciplina serão punidos.
Ali, poucos se conformam com a atuação do ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito do golpe, e com os poderes por ele acumulados e considerados excessivos.
A inconformidade é antiga, embora não explícita, e alimentou a pretensão dos militares golpistas de prender Moraes e matá-lo, como teriam feito também com Lula e Geraldo Alckmin.
A primeira ação pública de rebeldia militar antecedeu em mais de 10 dias a prisão de Braga Netto e deveu-se ao anúncio de cortes nas despesas das Forças Armadas e de outros setores do governo.
Um vídeo da Marinha, postado nas redes sociais, contestou a ideia de que os militares gozam de privilégios, comparando a vida dura que levam com a vida amena e divertida que levariam os civis.
Lula quis afastar o comandante da Marinha. José Múcio Monteiro, ministro da Defesa, convenceu-o a não fazê-lo. O vídeo saiu do ar depois de 18 dias. Monteiro estuda sair do ministério.
Aos militares faltam duas coisas: uma guerra para chamar de sua (a última de grande porte foi há 154 anos e resultou na destruição do Paraguai); e submissão às regras da democracia.
Uma guerra não será bem-vinda; a submissão às regras é o que se espera desde a Proclamação da República.