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A democracia brasileira foi intubada

Guardem esta data: 3 de junho de 2021, o dia em que a anarquia militar ganhou passe livre para circular

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Presidente Jair Bolsonaro durante enentos com militares brasileiro
1 de 1 Presidente Jair Bolsonaro durante enentos com militares brasileiro - Foto: Michael Melo/Metrópoles

De duas, uma. Não era o general Eduardo Pazuello, talvez um sósia dele, o cidadão de baixa estatura, balofo, testa larga e sorridente que pilotou uma moto no último dia 23 de maio, no Rio, subiu em um carro de som e, ao lado do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), discursou para uma multidão barulhenta de motociclistas.

Ou então: era Pazuello, sim, mas por um desses truques de computadores, tiraram-lhe a farda e meteram-lhe trajes civis, e trocaram a plateia formada por militares reunidos em um amplo auditório por outra de motociclistas que aclamava o presidente da República. Coisa feita para a internet, sabe como é…

Se não era o general, mas alguém parecido com ele, não havia de fato porque Pazuello ser punido pelo general Paulo Sérgio Nogueira, comandante do Exército, que fez muito bem ao arquivar o procedimento administrativo aberto para investigá-lo. Mas se era, como não puni-lo pelo menos com uma advertência oral?

Era a pena mais leve. Por ser oral, a advertência não constaria da folha corrida de Pazuello ao se aposentar daqui a menos de um ano. Passados mais alguns meses, o assunto seria esquecido. Jamais, porém, será esquecida a decisão de Nogueira de arquivar o caso, acolhendo os argumentos esfarrapados da defesa do general.

Pazuello admitiu que pilotou uma moto, subiu no carro de som e falou para a multidão à sua frente. Mas disse que aquela não foi uma manifestação político-partidária. Que ele estava ali como convidado do presidente. E que, como general, não poderia negar-se a falar, como ordenara o Chefe Supremo das Forças Armadas.

O regulamento disciplinar do Exército considera transgressão “manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária”. O estatuto dos militares diz que “são proibidas quaisquer manifestações coletivas” de caráter reivindicatório ou político.

E daí? Daí que o Exército, por meio do seu comandante, ajoelhou-se aos pés de Bolsonaro. O comandante ouviu do presidente que Pazuello deveria ser poupado, e se rendeu à sua vontade. Um manda, outro obedece por ter juízo e querer manter-se no cargo. Como aos olhos dos seus pares permanecerá ali?

E se amanhã um soldado qualquer recusar-se a bater continência para um oficial? E se um capitão (relembre Bolsonaro) montar em um tamborete e discursar para a tropa sobre o soldo irrisório que ela recebe? Bolsonaro foi afastado do Exército por insubordinação. E é de insubordinação que se trata agora.

O país assiste ao avanço do bolsonarismo sobre as Forças Armadas e demais instituições do Estado. Valer-se da Lei de Segurança Nacional para calar opositores não é algo normal. Não é normal ensaios de rebeliões de policiais militares. Não é normal a prisão de advogados e de militantes de partidos, mesmo que temporárias.

Para evitar a volta da esquerda ao poder, o Exército aderiu à candidatura do ex-capitão que afastou dos seus quadros por má conduta ética. Com o mesmo propósito, renovou desde já seu voto a ser depositado nas urnas do próximo ano. Guardem esta data: 3 de junho de 2021, o segundo ano da pandemia.

Nesta data, ao que tudo indica, caiu de vez a máscara do profissionalismo das Forças Armadas brasileiras e do seu apego à Constituição desde que o país se redemocratizou com o fim da ditadura militar de 64. A farda cedeu outra vez aos encantos da ideologia, do vil metal e do exercício do poder à sombra.

Haverá golpe antes das eleições do ano que vem ou depois delas se Bolsonaro for derrotado? Na verdade, o golpe está em curso “dentro das quatro linhas da Constituição”, cada vez mais largas. A democracia foi intubada com o passe concedido ao vírus da anarquia militar para que circule livremente.

O Brasil viveu até aqui tempos estranhos e preocupantes. Deve preparar-se para enfrentar doravante tempos sombrios, turbulentos, e sem desfecho previsível.

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