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“Respeito seu amém, respeita meu axé”

Racismo e resistência em um terreiro de candomblé em Belo Horizonte

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Foto preta e branca de Anitta no terreiro - Metrópoles
1 de 1 Foto preta e branca de Anitta no terreiro - Metrópoles - Foto: Reprodução

O babalorixá vê a porta do terreiro arrombada e se aproxima com passos silenciosos. Mal adentra o espaço, percebe que o tufão da intolerância varreu tudo. As cerâmicas estilhaçadas, as roupas rasgadas, o couro dos tambores esfaqueados, as imagens sagradas degoladas. A parede guarda uma ameaça de pincel e tinta: “Fora”. No Brasil, celebrar a espiritualidade é um perigo quando os deuses são pretos.

Essa é uma cena que ocorreu em um terreiro no Rio de Janeiro. O número de denúncias de intolerância religiosa no Brasil cresceu 80% no primeiro semestre de 2024, segundo o Disque 100, canal do Ministério dos Direitos Humanos. Foram 1227 ocorrências, o que dá uma média de quase 7 denúncias por dia. Para os povos de terreiro é impossível ter paz, a vida é resistência e sobrevivência.

Por que as religiões de matriz africana despertam tanto ódio? Responder a essa pergunta e apontar os fundamentos do Candomblé são dois dos temas do artigo “Eu respeito seu amém, você respeita meu axé?”: um estudo etnográfico sobre terreiros de candomblé como organizações de resistência à luz de um olhar decolonial”, de Jefferson Rodrigues Pereira, José Vitor Palhares dos Santos e Alice de Freitas Oleto, publicado nos Cadernos EBAPE, da FGV (Fundação Getúlio Vargas). Durante dois anos, o grupo desenvolveu um trabalho etnográfico em um centro de candomblé da nação Ketu Axé Oxumaré, localizado em Belo Horizonte (MG).

Segundo a pesquisa, há muitos sentidos para o preconceito e a violência. Essas religiões questionam o colonialismo e os padrões dos brancos europeus, cultivando outros conceitos de gênero, sexualidade, economia e humanidade, que afrontam as estruturas patriarcais, de classe e de raça. É uma “política de afirmação da negritude, ação de resistência” que “aponta para a construção de horizontes alternativos” e evidenciam “pensamentos, práticas e experiências passadas e presentes que desafiam a matriz colonial de poder e dominação, existindo apesar dela, dentro e fora de seus contornos”

Os pesquisadores realizaram entrevistas com os frequentadores. Um deles conta que é comum durante seus rituais os vizinhos colocarem pregações evangélicas no volume máximo. Basta andar na rua com roupa africana ou branca e ouvir “olha a macumbeira, sangue de Jesus tem poder, chuta que é macumba”.  Nesses dois anos o terreiro na capital mineira não sofreu nenhum tipo de vandalismo, “porém, o racismo religioso é uma questão que se faz presente no cotidiano e foi ressaltado por todos os entrevistados como uma “violência quase naturalizada”.

Outro entrevistado: “Dizem que o candomblé é religião de puta, travesti e veado. Talvez ele seja mesmo, mas, sabe por quê? Porque aqui a puta, o travesti e o veado podem ser o que quiserem ser, que ninguém tem nada a ver com isso, ninguém vai discriminá-los por isso”. Quando racismo e homofobia se juntam, não tem deus que salve.

O estudo diz que a palavra candomblé significa “dança de roda”. É um culto à ancestralidade e às forças da natureza, e como qualquer religião, busca religar as pessoas à espiritualidade e à vida comunitária, cultivando regras comuns e a evolução de caráter pessoal. Mas somos um país cujo projeto é excluir e apagar tudo o que é negro, africano. Essa tentativa seguirá. Mas, mesmo no mais profundo silêncio, será possível ouvir os atabaques e as canções do candomblé.

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