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“Para nós pacificarmos o Brasil, alguém tem que ceder (…) vamos pacificar, zera o jogo daqui para frente”. Jair Bolsonaro sabe o que diz ao pedir anistia aos envolvidos no 8 de Janeiro. Pode parecer desespero, mas ele não clama apenas por perdão, ele evoca uma antiga tradição de nossa política: a conciliação.
Em nossa história tem perdão para todos os gostos. Ato de absolver quem atentou contra a legalidade vigente, as anistias reúnem desde quem tentou impedir a posse de Juscelino Kubitschek a quem lutou contra o Estado Novo ou Ditadura de 1964. Um rio em que navegam torturadores, revolucionários e democratas.
A conciliação é um abraço entre as elites. Preserva seus interesses, mitiga suas crises, maquia suas contradições. Pacificar é manter a ordem e o privilégio. Abandoná-la, só em último caso, como se viu no acordo entre empresários e militares de 1964 – quando é preciso, os conservadores se recordam que os militares estão à disposição para atender seus interesses.
A anistia para militares é como um estímulo, um guaraná para golpistas. Encontrei um artigo do historiador Renato Lemos na Revista Topoi que conta a trajetória do major Haroldo Veloso. Ele foi um dos líderes da revolta de Jacareacanga, um levante de militares da Aeronáutica contra a posse de Kubitschek em 1956. Foi preso, anistiado – e promovido. Sossegou? Participou da revolta de Aragarças, ou Revolta do Veloso, que tentou outro golpe contra Juscelino em 1959. Durante o regime militar, alcançou o topo da carreira e elegeu-se deputado federal pelo Pará. Seu reduto eleitoral era senão outra, a região de Jacareacanga. Garantiu-se a governabilidade de Kubitschek, mas a impunidade alimentou o golpe.
Há casos que fogem da lógica da conciliação. Luiz Carlos Prestes foi anistiado duas vezes – hoje, seria um caso surreal de líder político que une militarismo e esquerda. Perseguido e preso durante o Estado Novo, foi anistiado e eleito senador em 1945 pelo Partido Comunista Brasileiro. Apoiou Vargas, seu antigo algoz, nas eleições de 1950. Com os direitos políticos cassados pela ditadura militar, foi anistiado em 1979.
A anistia de 1979 permitiu que Antônio Carlos Magalhães, José Sarney e Marco Maciel, apoiadores da ditadura, fossem a base política das subversivas e exiladas lideranças dos governos tucanos, Fernando Henrique Cardoso e José Serra, por exemplo. A conciliação garante a sobrevivência das elites políticas.
Ao mesmo tempo, assentiu, ao deixar de punir os militares, que os fardados mantivessem uma imagem positiva com parte da população. Entre os encontros e desencontros da História, um ex-capitão venceu a eleição de 2018 com boa parte da indumentária ideológica de 1964: militares pela pátria contra os comunistas.
Já estava politicamente difícil para os criminosos do 8 de Janeiro. Aí o homem bomba explodiu-se na Praça dos Três Poderes. Um plano para assassinar autoridades foi divulgado pela Polícia Federal. Jair Bolsonaro, militares e aliados foram indiciados. A anistia emudeceu, abaixou a cabeça e desapareceu do olhar. Mas não se engane. O bolsonarismo é recente, mas representa setores conservadores que já tiveram outros nomes em nossa história. O tempo passa, novas crises irrompem, é preciso acomodar os interesses das elites e a conciliação aparece com uma roupa nova. Ela está sempre à espreita.