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Leonardo Padura: direita tem mais coerência política do que esquerda

Em entrevista ao Blog do Noblat, o escritor cubano falou da relação Cuba-EUA, do temor da ascensão da extrema direita e de seu próximo livro

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Yumi Kajiki / Divulgação
Fotografia do autor cubano Leonardo Padura sentado, vestindo uma camisa vermelha, com dois livros em seu colo
1 de 1 Fotografia do autor cubano Leonardo Padura sentado, vestindo uma camisa vermelha, com dois livros em seu colo - Foto: Yumi Kajiki / Divulgação

Quinze anos após o lançamento de sua obra mais conhecida, “O Homem que Amava os Cachorros”, o autor cubano Leonardo Padura, 68 anos, está em turnê pelo Brasil para divulgar seu título “Pessoas Decentes”.

A trama se passa em 2016 e mistura ficção com realidade, ao narrar o assassinato de um político cubano em meio à visita de Barack Obama à ilha. O detetive Mario Conde, que protagoniza outras obras de Padura, é chamado para investigar o caso, o que o leva a pesquisar sobre outros dois assassinatos ocorridos na Cuba do início do século XX.

O escritor recebeu o Blog do Noblat, no restaurante de seu hotel na Asa Sul, em Brasília, na terça-feira (17/09). Ele abordou a situação econômica e social em Cuba, a ascensão da extrema direita nas Américas, as eleições nos Estados Unidos e o seu próximo romance.

Esquerdista crítico, Padura atribui a polarização política às divisões internas da esquerda e ao fomento por parte da direita e da extrema direita que, segundo ele, têm “muito mais coerência em suas políticas do que a esquerda”.

Veja os principais trechos da entrevista:

O senhor não acredita na derrubada da estrutura do Estado cubano, mas no esgotamento do sistema de vida do país. Esse sistema ainda deve resistir?

Cuba está, no momento, em uma situação econômica muito complicada, diria que limítrofe. Há falta de alimentos, de medicamentos, de combustíveis, de eletricidade e, na sociedade, há falta de esperança. O sistema não mudou o suficiente para buscar soluções alternativas. É certo que existe um embargo dos Estados Unidos que dificulta qualquer manobra econômica cubana porque limita muitas possibilidades.

Acho que é necessária uma política que busque resolver os problemas com novas soluções, e não com as mesmas que não funcionaram em outros momentos. Como cidadão e como observador, sei que o que foi feito até agora, em vez de melhorar a situação, piorou.

Em 2015, no Brasil, o senhor falou para deixarmos o pessimismo em relação a Cuba para tempos piores. Esses tempos chegaram ou ainda há espaço para otimismo?

Se lembrarmos da situação de 2015, na qual houve uma reaproximação com os Estados Unidos, as relações tinham sido restabelecidas e havia uma mobilidade econômica e social em Cuba. A situação parecia que poderia se desenvolver de uma melhor forma no futuro.

Em 2016, Donald Trump ganhou as eleições e tudo passou a ser pior do que havia sido antes do governo de Barack Obama. Retomou-se a política de hostilidade, de confronto, de agressão, de sanções. Hoje, com a situação que temos, é difícil ser otimista, mas tomara que as coisas melhorem. Acho que os cubanos merecem ter uma vida melhor depois de tanto sacrifício, e não viver nas condições em que estão vivendo hoje.

Como o resultado das eleições nos EUA pode afetar o relacionamento entre Cuba e EUA, considerando os dois possíveis cenários?

Se Donald Trump for eleito, devemos esperar o mesmo que ele já fez, que foi fortalecer o embargo e praticamente encerrar as relações, ao ponto que o consulado de Havana não trabalhava. Kamala Harris é uma incógnita, porque se pensava que Biden ia recuperar a política de aproximação que Obama tinha iniciado, mas não foi o caso.

Embora Lula tenha sido eleito, a extrema direita tem buscado retomar o poder. Trump tem a possibilidade de voltar nos EUA. Como o senhor enxerga esse cenário?

O mundo está cada vez mais dividido, as sociedades estão cada vez mais divididas. Quando olhamos os resultados da eleição em que Biden ganhou de Trump, a diferença foi mínima. A diferença entre Lula e Bolsonaro foi mínima. Essa divisão tem sido muito incentivada pela direita, incluindo a extrema direita, que tem muito mais coerência em suas políticas do que a esquerda.

A esquerda, tradicionalmente, tem-se dedicado a brigar entre si e a se dividir dentro do seu espectro, já a direita é muito mais coerente nesse sentido, sabe perfeitamente o que quer.

O retorno da direita é sempre um perigo, sobretudo quando se deve aos erros da esquerda, ou do que se pode chamar de esquerda, como aconteceu na Argentina. Creio que houve um esgotamento de uma esquerda que não agradou ao povo e, como rejeição a isso, abriu-se espaço para uma pessoa totalmente distópica como o presidente Milei.

O senhor disse que falta esperança em Cuba. Mario Conde, em “Pessoas Decentes”, parece representar esses cubanos que perderam a esperança. O senhor é um deles?

Com o personagem de Mario Conde, criei um ponto de vista da sociedade cubana. Costumo dizer que Conde vê a realidade no nível do que está acontecendo. Ele tem uma tendência ao pessimismo, à nostalgia e ao desencanto que as circunstâncias lhe proporcionaram, não que ele seja essencialmente pessimista.

Já eu, tenho o privilégio de poder viver de direitos autorais, e isso me permite realizar meu trabalho com mais tranquilidade, coerência e continuidade, portanto, não deveria ser eu a julgar a realidade cubana, porque não tenho as mesmas condições nem a mesma perspectiva que a maioria das pessoas.

Por isso utilizo Conde, que as tem, ou uso os personagens de romances como o que estou escrevendo agora: pessoas comuns de Cuba, que chegam ao momento da aposentadoria, quando deveriam ter paz de espírito, e precisam procurar um emprego para ter um pouco mais de recursos, porque o que recebem não é suficiente para viver, a menos que tenham um filho ou um parente fora do país que lhes envie dinheiro.

Além da discussão em torno dos aposentados, seu próximo livro também contará uma história de um assassinato. Pode dar mais detalhes, Mario Conde estará presente?

Nesta história, Conde não aparece, porque com ele tenho uma forma específica de entender a realidade e de escrever.

Este próximo livro é parte de uma história real, que conheço de perto, sobre um filho que mata o pai. A partir daí, construo uma narrativa fictícia, em Cuba, de uma família e de um grupo de pessoas que, na velhice, se encontram em uma situação difícil para poder viver e em um momento crítico de suas vidas, por causa do crime que aconteceu no passado.

Não é um romance de um assassinato, mas em que ocorre um assassinato, com informações que não são completamente conhecidas, que criam uma tensão no leitor.

Quando deve ser publicado?

Primeiro tenho que terminá-lo para confirmar. Espero que possa ser publicado no próximo ano.

“O Homem que Amava os Cachorros” aborda como a utopia igualitária foi corrompida. Quinze anos depois do lançamento dessa obra, qual utopia guia a sociedade atual em busca de mais justiça, igualdade e equidade?

Penso que não há utopia em relação a um futuro em que se possa alcançar uma sociedade mais igualitária, mais justa e mais humana. O triunfo do neoliberalismo no final do século XX fez com que mesmo os projetos de esquerda, que tentam ser mais solidários com as pessoas, não consigam progredir o suficiente, porque as condições da estrutura econômica existente não permitem.

Além disso, a tecnologia está mudando paradigmas. As pessoas não se comunicam, não consomem e não fazem política da mesma maneira. Estamos nas primeiras páginas de um livro que não sabemos quantas páginas terá, parece que muitas.

A inteligência artificial é capaz, até mesmo, de criar realidades. Tudo isso é um perigo para as estruturas democráticas, porque a manipulação, a partir da tecnologia, pode alterar os jogos democráticos tradicionais.

As tecnologias, como a inteligência artificial, também impuseram mudanças no mercado editorial. O senhor tem percebido diferenças no perfil dos leitores?

Acredito que estamos em um momento em que estão publicando mais livros do que nunca na história da humanidade. No entanto, os níveis de leitura não aumentaram na mesma proporção. Algumas pessoas leem de maneira diferente; busca-se o superficial, o breve, o elementar. Isso é o que Mario Vargas Llosa chamou, certa vez, de civilização do espetáculo, exatamente na qual acredito que estamos vivendo.

Espero que haja um ponto de inflexão e que determinadas formas tradicionais de se relacionar com a cultura sejam recuperadas, embora pense ser impossível, porque estamos vendo uma vertigem no tempo, que afeta todos os elementos da vida e da sociedade.

O senhor sente a pressão de acompanhar esse ritmo acelerado?

Não. Tento fazer meu trabalho de acordo com meu ritmo, com minhas necessidades, com minhas demandas e com minha responsabilidade.

Toda vez que começo a escrever um livro, o encaro como um desafio. Sempre penso no motivo pelo qual vou escrever essa obra e procuro torná-la a mais elaborada possível, em termos de linguagem, de personagens e de estrutura, conforme minhas habilidades permitirem, sem correr contra o tempo.

Não permito, por exemplo, que meus editores assinem contratos comigo antes de eu terminar o livro, porque isso implica uma responsabilidade e pode significar uma pressa que busco não me deixar afetar.

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