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Governo Bolsonaro negou anistia a menino preso três anos pela ditadura

A história de Wilson Fogoió, que conviveu três meses com guerrilheiros do Araguaia e levado e usado pelos militares como “informante”

atualizado

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Arquivo pessoal
Assentado Wilson Fogoió
1 de 1 Assentado Wilson Fogoió - Foto: Arquivo pessoal

O governo de Jair Bolsonaro negou a condição de anistiado político ao hoje assentado da reforma agrária José Wilson Brito, de 63 anos,  um personagem de uma história única no tormentoso período que marcou o início dos anos 1970, quando se deu a radicalização da ditadura, com incremento da tortura, das mortes e do desaparecimento dos opositores do regime. 

Nesse período – de 1972 a 1974 – se deu a Guerrilha do Araguaia, um movimento de resistência armada no campo contra a ditadura.

Até agosto de 2009, a identidade de Wilson era desconhecida. Sua história, não. Ele era o menino que atuou na guerrilha, levados pelos militantes do PCdoB, com a promessa de estudos e que se aproximou dos “terroristas”. Num dos livros de Elio Gaspari – “A ditadura escancarada” – ele aparece como o “menino que acompanhou a guerrilheira Sônia”, em 24 de outubro de 1973.

Nesse dia, Sônia morreu cravejada de tiros da equipe do major Sebastião Curió, quem comandou a ação. Wilson narra com riquezas de detalhes o episódio, que testemunhou. Estava ao lado dela.

“Vi ela morrer. Caiu na minha frente. Morreu atirando” – conta Wilson ao Blog do Noblat.

Sua identidade, rosto e detalhes de sua vida começou a ser conhecida quando ele a contou ao “O Globo”, em 2009. Ele segue morando em Tartarugalzinho, no Amapá, uma minúscula cidade a 228 quilômetros de distância de Macapá. E a 350 quilômetros do Oiapoque.

Nesse período, que viveu essa experiência na ditadura, ele tinha 13 anos.

Wilson tem um apelido: Fogoió, dado a coloração de seu cabelo. Depois de três meses ao lado dos guerrilheiros, ele foi preso pelos militares, que o levaram para Marabá, numa unidade do Exército. Os militares o levaram para mostrar o local de ação dos comunistas. Ele ficou três anos em poder dos militares, que lhe prometeram estudo, mas nunca entregaram.

Ao Blog do Noblat, Fogoió relatou que se sentia como um “prisioneiro” pelos militares.

“Nunca me deram nem um caderno. Perdi todo o meu tempo. Estou perdido até hoje. Me sentia como um prisioneiro, sim. Não podia ir para lugar nenhum”.

Na unidade, ele ainda vigiava os presos e lembra até hoje da canção que lhe ensinaram para vigiar de perto esses detentos.

Até  ele se recorda também da canção que aprendeu no convívio com os guerrilheiros, ensinada a ele pelo guerrilheiro Zé Carlos, codinome de André Grabois, que comandou o destacamento “A” da guerrilha, e morreu em confronto com os militares. Seu corpo nunca foi encontrado.

Veja abaixo o vídeo com Fogoió cantando o hino que entoava com os guerrilheiros.

 

Em 2014, Wilson Fogoió entrou com o pedido de anistiado político, pela perseguição que sofreu, e reivindicou uma indenização de prestação única. Num pedido manuscrito. A Comissão de Anistia só julgou o caso em abril de 2021, no governo de Jair Bolsonaro. E negou.

Primeiro, um relator deu um parecer favorável a Fogoió. Entendeu, sim, que se tratava de uma vítima da ditadura, e com provas robustas.

“Verifica-se que no caso em tela existem provas robustas e aptas a demonstrar que o requerente foi perseguido político e, saindo da infância, foi envolvido e submetido ao peso de um momento extremamente delicado da história política do país” – concluiu o relator Aécio de Souza Melo Filho, para quem não se importava se ele tinha plena noção do que ocorria à época e com quem se relacionava. Foi uma vítima da ditadura.

“Além disso, aos 13 anos de idade, depois de deixar as fileiras de um movimento que, possivelmente, não compreendia, o sr. José Wilson de Brito teve que colaborar com as equipes militares na identificação das trilhas e dos guerrilheiros, na condição de ‘mateiro'” – diz Aécio no seu voto.

E conclui: “cumpre ao Estado Brasileiro indenizar, a quem de direito, pelos danos sofridos em razão de envolvimento com um ambiente de perseguição e confronto político. Perseguição esta que lhe foi infligida por motivação exclusivamente política”

Um documento que consta no processo considera como data de sua prisão pelos militares em 7 de novembro de 1973. E aprovou a reparação econômica de 30 salários mínimos, com o teto de R$ 100 mil, valor máximo da prestação única.

Mas essa posição do relator Aécio foi derrotada mais tarde, pelos militares da comissão. Um voto divergente, do conselheiro Tarcísio Gabriel Dalcin, um militar, coronel da Força Aérea Brasileira (FAB) um  mudou a situação. Ele entendeu que Fogoió não seguiu a guerrilha por motivação política e que “prestou serviços à Força Militar por espontânea vontade e não por perseguição política”.

Outros três militares da Comissão de Anistia de Bolsonaro o acompanharam. Foram eles o general Rocha Paiva – que foi amigo pessoal do torturador Carlos Brilhante Ustra -, o policial militar Dionei Tonet, ex-comandante-geral da PM de Santa Catarina, e Vital Lima Santos, um coronel do Exército. Assim, o placar foi a 4 a 3 a contra a anistia ao menino que aos 13 anos conviveu três meses com guerrilheiros do Araguaia e, depois, 3 anos em poder dos militares.

A negativa de anistia a Wilson Fogoió foi confirmada e publicada no Diário Oficial pela então ministra Damares Alves (Direitos Humanos).

Depois que sua identidade foi revelada, em 2009, o grupo de trabalho que fazia buscas de ossadas de desaparecidos políticos na região o contataram e o levaram para os lugares onde conhece como pouca gente, apontando pistas de onde poderiam ser encontrados restos mortais dos guerrilheiros.

Aos militares e civis desse grupo, ele cantou o hino dos guerrilheiros e a música da prisão na unidade militar. E surpreendeu ao grupo pela memória e riqueza dos detalhes de todo aquele cenário e época.

Sônia era a guerrilheira Lúcia Maria de Souza, morta em combate com a tropa do então capitão Sebastião Curió.

Ao blog, Wilson Fogoió afirmou que se orgulha de nunca ter sofrido tortura ou maus-tratos porque nunca mentiu sobre aquele período.
Fogoió e sua família irão recorrer da decisão da Comissão de Anistia.

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