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Entrevista: “Políticas públicas precisam da participação da periferia”

Guilherme Simões, secretário Nacional de Periferias, fala sobre projetos e desafios da pasta

atualizado

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Agência Brasil
guilherme simões
1 de 1 guilherme simões - Foto: Agência Brasil

A trajetória política de Guilherme Simões, secretário Nacional de Periferias no Ministério das Cidades, foi forjada nos movimentos sociais. Ex-coordenador do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) teve o apoio de Guilherme Boulos para assumir a pasta em 2023. Ele diz que a participação do candidato a prefeito em São Paulo no governo de transição foi fundamental para a criação da secretaria, que tem a função de aproximar o Estado da população através da participação social nos projetos de infraestrutura do governo.

Além disso, a pasta pretende reconhecer e multiplicar projetos sociais organizados por movimentos populares por todo o país. “Não é possível resolver os problemas sociais sem os agentes que vivem esses problemas. Se você achar que a administração pública é suficiente, será um erro. O saber teórico é fundamental, mas sozinho não resolve”, afirma. Confira a entrevista.

 

 

Blog do Noblat: O senhor foi coordenador nacional do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto). Um movimento que exige políticas públicas de moradia do Estado. Como é estar do outro lado do balcão?

Guilherme Simões: De fato é uma pequena mudança na trajetória, mas ao mesmo tempo é uma parte dessa trajetória, acho. Os movimentos sociais reivindicam o cumprimento da lei. Reivindicam, no caso, o acesso ao direito básico à moradia. Poder fazer parte de um espaço institucional, é de alguma maneira a complementação dessa estratégia. É preciso ter gestores com convicção, com sensibilidade social. Parece uma contradição, mas é a efetivação de uma estratégia de luta por direitos.

Blog: Explique sua relação com o movimento hoje em dia e com Guilherme Boulos.

GS: Minha relação com o movimento é de muito afeto. Foi minha base de formação política, para a vida pública. Foi no movimento social que entendi que as pessoas ocupam terrenos porque não tem outra opção, porque tem o dilema de comer ou pagar aluguel. São meus amigos, um ambiente familiar. Tenho a liberdade de participar de encontros e faço questão abraçá-los e também falar de nosso trabalho aqui. Boulos é um companheiro, um amigo muito próximo, uma das pessoas responsáveis pela criação da Secretaria. Uma liderança fundamental para o país e espero que tenha muito sucesso na vida política.

Blog: Nas experiências de esquerda no Executivo existe uma crítica a um distanciamento com a base, isto é, a pessoa passa a defender o governo e colide com movimentos

GS: Eu acho que é um risco, porque o Estado proporciona esse distanciamento. Historicamente o Estado brasileiro criou várias maneiras de se afastar de sua população. Em alguns casos, tem uma postura persecutória. Todo mundo que vem da sociedade civil, do movimento popular, precisa se questionar sobre isso e experimentar ações e políticas públicas que desafiem essa lógica. Os territórios, especialmente os mais pobres, precisam que o Estado esteja mais próximo. Acho que é uma das principais características que tento combater aqui.

Blog: Como foi começar a secretaria do zero, entender sua estrutura, montar a equipe, definir estratégias?

GS: Na verdade, não foi do zero. A Secretaria tem duas atribuições centrais que já existiam no governo, como a prevenção de riscos de desastres, que era da Defesa Civil, ou a regularização de favelas, que já existia na Habitação. Temos uma agenda política da periferia, do sujeito periférico, dos agentes coletivos organizados. A gente estabelece uma política pública voltada para o diálogo, para a participação, para reconhecer o que está sendo feito nos territórios. Acho que isso é o ingrediente de inovação que a gente está propondo

Blog: Com um dos maiores orçamentos da Esplanada, o Ministério das Cidades atrai o interesse do Congresso. Como é o diálogo com os parlamentares? E o trabalho com o ministro Jader Barbalho?

GS: É uma relação absolutamente cordial com o Congresso, quem nos procura tem as portas abertas. Eu não escondo de ninguém meus vínculos com o movimento social, minha filiação partidária. Mas agora meu papel é como representante do governo federal. O desrespeito é coisa do governo passado. É claro que não somos neutros, nós temos nossas convicções, mas é preciso ser republicano. A relação com o ministro é excelente, como disse o presidente Lula, é uma ótima surpresa, porque ele veio da iniciativa privada. Temos uma relação de muito respeito e legitimação de nossas políticas por parte do Jader para nossa agenda. Ele tem uma sensibilidade muito importante com a questão e respalda nosso trabalho.

Blog: Consegui mais informações da Secretaria através do seu Instagram pessoal do que no perfil do Ministério das Cidades. Como funciona a comunicação da secretaria?

GS: Nenhuma secretaria tem canal oficial, é uma normativa da Secom. Os secretários vão alimentando seus perfis, o que ajuda a comunicar e dá também uma informalidade interessante. Nós somos uma novidade vinda dos movimentos sociais, temos que incentivar a participação. Por isso também temos a Caravana das Periferias, em que vamos aos territórios para divulgar e pensar coisas juntos. O Prêmio Periferia Viva é uma maneira de dizer, olha, não estou só vindo para dar tapinha nas costas, também quero reconhecer que está sendo feito.

Blog: Mas existe um problema de comunicação no governo?

GS: Às vezes o pessoal diz que o problema do governo é de comunicação. Acho que é um pouco diferente. É preciso atualizar o que é o desafio da comunicação. Não é o mesmo desafio da gestão passada. É relativo. Tem um desafio para gente superar que é a articulação de um setor altamente reacionário da sociedade. São muito fortes nas redes sociais, com muitas fake news. Estão organizados para combater a garantia de direitos.

Blog: Sobre o Caravanas, vi que ontem o senhor estava em Florianópolis, Quais seriam os projetos mais inspiradores, aqueles que você enxerga como políticas públicas do governo?

GS: Tem muita coisa, eu visitei mais de 150 territórios. O que mais me chama atenção é a organização das mulheres em todo país. As Mulheres em Ação, que fica em Palhoça-SC, e as Mulheres da Quebrada, em Belo Horizonte, são dois exemplos. São mulheres que conhecem o território e seus dilemas. Elas têm alterado a vida local com acolhimento em relação à violência doméstica, encaminhamento para as redes de atendimento, geração de renda. Criaram uma rede de cuidados para crianças, a idosos. Estas duas iniciativas funcionam como dois equipamentos públicos no território.

Blog: E como institucionalizar aquilo que é orgânico? O Estado integrar uma organização popular que já funcionava, trazendo suas especificidades, burocracia. Como transformar essas experiências em política pública e reproduzir em outros locais?

GS: De fato existe essa discussão sobre institucionalização. A primeira coisa é fazer uma escolha. Não é possível resolver os problemas sociais sem os agentes que vivem esses problemas. Se você achar que a administração pública, sua técnica em determinado assunto é suficiente para resolver um problema, isso será um erro. É preciso contar com quem sofre, com quem vive, não pra resolver tudo, mas pra criar um esforço conjunto. Sim, o saber teórico é fundamental, mas ele sozinho não resolve. Cada lugar tem sua participação, não se pode criar um corpo estranho. Porque se você cria um corpo estranho, você descaracteriza, afasta. As cozinhas solidárias são um bom exemplo disso

Blog: Essa é justamente a proposta do Periferia Viva?

GS: Exatamente. Nossa contribuição é, a partir de políticas que já existiam no Ministério das Cidades trazer mais peso para a participação social. Há muitos problemas de infraestrutura, não tem água, luz, esgoto. Responder às necessidades de uma reurbanização de favelas é bem objetivo. Mas é preciso conectar outros ministérios nessa mesma ação e debater o que mais pode ser feito para melhorar, por os índices de violência, o acesso à cultura, prática de esportes, a qualificação profissional. Além disso conhecer as ações populares que acontecem no território e potencializá-las.

Blog: É um projeto complexo. Quais são suas referências?

GS: Temos algumas fontes. A primeira e mais empírica são as experiências do PAC, que foram muito importantes porque levou trabalho, infraestrutura e dignidade para as favelas. Mas ela poderia pactuar ainda mais com as comunidades, mostrar a força daquela intervenção. Com o debate e a participação, não se perde pragmatismo nem eficiência e criamos uma maior conexão entre os diversos agentes no território.  Outra referência são os equipamentos âncoras, ou seja, você trazer para dentro do território um equipamento que seja multifuncional, que receba uma série de políticas como o Usina da Paz, no Pará ou o Compaz, em Recife.

Blog: Você disse que a periferia não é um problema de polícia e sim de política. Existe algum diálogo com o ministro Lewandowski? Como fica a relação com a Segurança Pública?

GS: O Periferia Viva prevê essa conexão com 30 ministérios diferentes, entre eles o Ministério da Justiça. Tenho uma relação muito próxima com a secretária Marta Machado, da Política Nacional para drogas. A gente está conectando, fazendo esse trabalho de bastidor, entraremos juntos nos territórios. Mas entendemos que ao ampliar o acesso a políticas públicas, nós vamos incidir na pauta da segurança pública. É automático. Quanto mais cultura, esporte, lazer, educação, emprego, renda, moradia, menos chance de prosperar a violência.

Blog: Por fim, qual a sua avaliação do governo Lula?

GS: O governo Lula é o governo de reconstrução. Pode parecer um mantra, mas nós viemos mesmo de um governo de destruição do país. É expresso isso em todos os setores do governo. Aqui no Ministério das Cidades, por exemplo, o Minha Casa, Minha Vida, teve apenas uma contratação. Então nós estamos entregando casa do governo da presidenta Dilma ainda. É uma coisa surreal. A dificuldade é uma oposição fascista, que nós não tínhamos nos ciclos anteriores, é preciso reconhecer, organizada, forte, extremamente antipopular e que dá trabalho, muito trabalho.

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