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Para analistas, entre os vários culpados nas derrotas da esquerda nas eleições municipais no Brasil e dos democratas no pleito presidencial estadunidense, estão a elitização desses campos políticos, o afastamento da maioria do eleitorado e o fracasso das elites intelectual e artística. Pouco se fala do poder das elites que venceram – e que, aliás, nunca deixaram o poder. Que conflito é esse?
O Prêmio Nobel de Economia, Simon Johnson afirmou em entrevista à Folha que “sempre há potencial para conflitos dentro da elite. Uma implicação das nossas evidências é que não importa qual parte da elite vença, eles vão administrar o sistema da mesma maneira”. Em outras palavras, a elite não perde. Deixa de ganhar. Se há uma derrota, ela transparece no campo simbólico e em algumas políticas públicas.
A frase “É a economia, estúpido” está exausta, mas lugares comuns são uma generalização didática e simplista. Não é apenas a impressão popular, tanto nos EUA como aqui, de que a vida está mais cara, pouco importando os bons números da macroeconomia. É o mercado com seu ideário neoliberal que domina os governos, a própria democracia e nossa subjetividade. Ou a Fazenda age junto com a financeirização ou é chantageada por ela.
Quem mais além das elites sabem jogar esse jogo? Guardadas as proporções, a elite intelectual e artística, acadêmicos escritores, cantores, atores têm seu lugar garantido na economia do espetáculo nos EUA. Sob o Cristo Redentor ou sob a Estátua da Liberdade, as elites econômicas mantém seu poder, banqueiros, o agronegócio, industriais, as elites dos militar e do Judiciário fazem a festa do conservadorismo, com boa parte dos grandes veículos de comunicação, prontos para normalizar qualquer extravagância da extrema-direita e detonar qualquer bandeira antineoliberal.
Por mais que os governos do PT aceitem o jogo do mercado financeiro, paira sobre o partido o fantasma do comunismo. Já os democratas estão simbolicamente ligados aos privilégios da elite financeira (mesmo que bilionários como Trump e Musk sejam republicanos). Sempre é bom lembrar do fundamental papel de Bill Clinton na financeirização da economia durante seu governo nos anos 1990, que iria detonar a quebra de 2008, que o democrata Obama fez o Estado bancar.
Nos EUA, pesquisas mostram um alinhamento de parte da elite corporativa americana ao progressismo, pautada sobretudo pelas mudanças climáticas. Tem até nome: capitalismo woke, que poderia chamar capitalismo ESG – que é bom de discurso, tem resultados tímidos dentro das empresas. Pelos avanços das COPs, a discussão está travada pelos estados nacionais. Isso só mostra o distanciamento dos democratas das classe trabalhadoras e a lógica do partido, que parece mais se preocupar com doações do que votos.
Há outro fator em comum, as elites têm uma relação maravilhosa com o povo quando perdem, isto é, são contestadas pelas urnas. Vamos usar o caso brasileiro. Quem não vota na esquerda é a “elite fascista”, o “pobre de direita”, é racista, misógino e antidemocrata. Ao seu modo, isso se repetiu por lá, com Kamala. Lembro dos reveses do PSDB e a derrota de Bolsonaro. Perderam por causa do Nordeste, essa gente que tem déficit de aprendizado, não vota racionalmente, é retrógrada, vota por causa do Bolsa Família, é de uma região atrasada. Quando o eleitor não vota “certo”, é burro para elites que perdem.