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ESPECIAL: Ele dormia num ponto de ônibus, acordou com corpo em chamas

Como cinco rapazes de Brasília mataram há 25 anos o índio Galdino, da tribo dos pataxós

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ato índio galdino
1 de 1 ato índio galdino - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Na aldeia Caramuru Paraguaçu, no sul da Bahia, anteontem foi dia de lembrar a memória do “parente” pataxó que chegou ao noticiário nacional por uma motivação cruel e torpe. Há 25 anos exatos um ataque brutal de cinco jovens de classe média de Brasília vitimou o índio Galdino Jesus dos Santos, que morreu após ter seu corpo coberto por chamas, ateadas por esses rapazes.

Galdino era uma liderança dos pataxó ha-ha-hãe. Ele estava em Brasília para lutar por mais terra para seu povo e buscar soluções para conflitos fundiários. Terras que, naquela época, estavam em poder de fazendeiros. Precisou que ele morresse para que os pataxós conquistassem suas áreas, ainda que após uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2013. Um direito originário.

As três filhas de Galdino, os netos e sobrinhos participaram da atividade na aldeia, que seguirá hoje. Nos rituais e nas falas dos caciques, o pataxó que morreu em Brasília era lembrado como uma referência. A forma cruel como foi assassinado jamais foi esquecida pelos seus irmãos de etnia.

“Nos revolta até hoje. Não só a forma como o mataram, mas a impunidade daqueles que o mataram. Acompanhamos com atenção pelo noticiário o destino de cada um. Até hoje. E dói muito saber que quase todos estão sob as asas e a proteção do Estado, ocupando cargos públicos. Inaceitável. E não foi feita justiça alguma” – disse o vice-cacique Fabinho ha-ha-hãe, que vive na área.

Na madrugada de 20 de abril de 1997, Galdino chegava numa pensão na Asa Sul, onde estava hospedado, mas não conseguiu entrar. Sua desdita se deu quando decidiu passar a noite num ponto de ônibus. Ali, dormindo, foi alvo dos jovens que saíam de uma balada e que decidiram atear fogo em seu corpo. Ele havia chegado tarde na pensão porque celebrava o Dia do Índio, no 19 de abril.

O índio pataxó morreu aos 45 anos e teve 95% de seu corpo queimado. Foi levado para o Hospital Regional da Asa Norte (Hran). Morreu duas horas depois.

Os quatro que eram maior de idade à época, foram condenados por um júri popular, em 2011, a 14 anos de prisão, em regime fechado. Por ser um crime hediondo, não teriam direito à progressão de pena. Mas, um ano depois, uma Turma Criminal os autorizou a exercer funções administrativas em órgãos públicos. Daí em diante, foram vários benefícios da lei que garantiram a eles o livramento condicional em agosto de 2014.

Antes do ato criminoso, os assassinos circularam de carro, compraram dois litros de álcool e foram achar o que fazer. “Era para ser uma brincadeira” – disseram na mesma madrugada, depois de serem presos. E só foram localizados porque uma testemunha seguiu o carro de um deles e anotou a placa.

Foi tudo muito pensado. E declaram depois não imaginar que se tratava de um indígena. Acreditavam ser um mendigo. Como se mudasse algo.

Em 2001, quatro deles foram condenados a 14 anos de cadeia, por homicídio triplamente qualificado, por motivo torpe, meio cruel e uso de recurso que impossibilitou defesa à vítima.

Retomando à fala do vice-cacique pataxó, tratemos da vida que seguiu de cada um dos jovens bem nascidos de Brasília. Hoje, todos os condenados estão empregados em serviço público. Seguiram a vida com a normalidade do perfil econômico-financeiro de Brasília: fizeram boas faculdades e passaram em concurso público. Os salários estão nas casas dos dois dígitos.

Único menor na época do crime, Gutemberg Nader de Almeida Júnior é concursado da Polícia Rodoviária Federal e no final do ano passado foi nomeado para um cargo comissionado. Tomás Oliveira de Almeida, irmão de Gutemberg, formou-se em administração e, desde 2012, é técnico legislativo Senado. Sua remuneração básica: R$ 22,3 mil.

Antônio Novelly Vilanova é fisioterapeuta na Secretaria de Saúde do Distrito Federal e teria um salário de R$ 15 mil. Esse também é o vencimento Eron Chaves, que virou agente no Departamento de Trânsito do Distrito Federal. O quinto condenado, Max Rogério, foi aprovado em 2016 num concurso de analista do Tribunal de Justiça do DF. Sua remuneração está entre R$ 10 mil a R$ 15 mil.

Os cinco envolvidos se recusam a comentar o assunto.

Joenia Wapixana: “luta de Galdino ainda continua”

Primeira mulher indígena eleita deputada federal, Joenia Wapixana (Rede-RR) coordenou uma sessão ontem no plenário da Câmara pela passagem do Dia do Índio. Ela lembrou da morte de Galdino, quem não conheceu, e diz que a violência contra os indígenas continua e citou as invasões de suas terras por garimpeiros.

“A morte de Galdino deu visibilidade à violência contra os povos indígenas, gerada pela discriminação. Ele veio para Brasília para se manifestar contra essa violência e por demanda de terras. São demandas presentes até hoje. Não estamos falando só de um homicídio, mas de um atentado a uma pessoa que veio para cá para lutar” – disse a parlamentar.

Joenia acredita que ao mesmo tempo que ainda prevaleça a impunidade contra os agressores dos direitos e das vidas indígenas, há uma reação dos índios, que estão cientes de seus direitos, atuando em várias frentes e cita sua eleição como um exemplo de avanço de representatividade.

“A violência segue real. A cobiça pelo ouro gera essa situação. Mas nossa luta está fortalecida. Acabamos de ver sete mil indígenas reunidos aqui em Brasília (no Acampamento Terra Livre) e continuamos reivindicando as mesmas coisas de Galdino. Mas estamos fortalecidos. Olha o número de mulheres e jovens atuando. A minha presença aqui no Congresso. E estamos reagindo usando nossas ferramentas, que são para todos os brasileiros. As demandas da época dele continuam as mesmas, mas estamos reagindo, fortes e empoderados”.

 

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