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Do tigrinho a apostas esportivas: o drama de viciados em jogos on-line

Veja as histórias de cinco pessoas que perderam o controle com jogos e que têm lutado para superar o vício

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O menino que não conseguia parar

Desde criança, no início dos anos 2000, Lucas* não sabia quando parar. Perto de sua casa, na baixada fluminense, no Rio de Janeiro, ele só deixava de empinar pipa, todos os dias, depois de quase 10h de brincadeira, mas não era para voltar para casa. A noite só terminava após jogar bola com os amigos.

Hoje, aos 27 anos, tendo acumulado uma dívida de quase R$ 400 mil, Lucas lembra como foi bom ter parado. Funcionário público, ele sempre foi fã de esportes e, em 2020, viu nas apostas uma chance de ganhar um dinheiro extra.

Começou tentando a sorte em jogos de futebol, com R$ 30. Mas, ávido por ganhar mais, precisaria investir mais alto. Seus empréstimos, que começaram com R$ 1 mil, chegaram aos R$ 40 mil.

Da aposta esportiva, migrou para o speedway, uma corrida virtual de motocicleta com duração de um minuto. Passou também a apostar em partidas de futebol computadorizadas, mais curtas que as reais, o que resulta em retornos, ou perdas, igualmente mais rápidos.

Sua mulher – naquela época, noiva –, seus pais e seus sogros já haviam percebido o problema e o incentivaram a parar. Por conta das dívidas e da pressão, ele cedeu e se afastou das apostas por cerca de um ano, até a Copa do Mundo de 2022. Lucas não reconhecia seu problema com jogos e, com o início da Copa, voltou a apostar para recuperar dinheiro e pagar dívidas.

Ele acreditava que perdera dinheiro por não utilizar bons métodos. As novas estratégias, porém, não funcionaram e suas dívidas triplicaram. Ele atingiu o limite disponível para empréstimos consignados – cujas parcelas são descontadas diretamente da folha de pagamento de servidores públicos ou aposentados –, ficou negativado em vinte instituições e chegou a pedir dinheiro emprestado para amigos próximos e colegas de trabalho. “Isso fez com que as pessoas se afastassem de mim e me vissem como se eu fosse uma pessoa problemática”, lembra Lucas.

“Eu achava que sabia de tudo, era totalmente arrogante. Eu sempre achava que estava certo e passei a mentir compulsivamente, coisa que eu não fazia antes”. No dia das mães, em maio de 2023, sua mulher o questionou por não ter pagado um de seus cartões de crédito. Naquele momento, a culpa o levou a contar a verdade e a abandonar as apostas.

Lucas entendeu que era preciso parar. Buscou ajuda psicológica e de grupos de apoio a jogadores. Há quase um ano e cinco meses que não aposta.

*O nome utilizado nesta história é fictício para preservar a identidade do entrevistado.

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Recém-chegada a Brasília, Luciana* encontrou nos jogos on-line uma fuga para seus momentos de solidão

Uma fuga da solidão

O jogo do tigrinho chegou na vida de Luciana* em um momento de solidão. A jornalista de 42 anos, recém-chegada a Brasília, onde quase não tinha amigos, estava morando pela primeira vez fora do Rio Grande do Sul.

Ela devia cerca de R$ 80 mil a um banco. Mas, em agosto de 2023, ouviu de uma colega falar sobre como conhecidos estavam ganhando dinheiro com o jogo em que era preciso apenas alinhar três figuras em uma mesma fileira para acumular pontos e lucrar mais. A curiosidade de Luciana e a ideia de se livrar da dívida em um tempo ainda menor a levaram a fazer a primeira aposta.

No início, ela imaginou que alcançaria seu objetivo. As perdas, no entanto, não demoraram a crescer, o que a fez migrar para outros jogos de azar e cassinos on-line. Para ela, hoje é nítido como as plataformas são projetadas para viciar os usuários: “No início, tu ganha. Em determinado momento, tu começa a perder, aí daqui a pouco tu ganha de novo, aí tu perde”.

Nessas idas e vindas, tomada pelo frenesi das apostas, Luciana passou a depositar no jogo não apenas a expectativa de recuperar as perdas, mas a de ter algum prazer em meio ao momento de solidão que vivia.

Uma vez que sua dívida chegou a R$ 250 mil, sem dinheiro até mesmo para pagar seu aluguel, ela pensou em se matar. “Sozinha, cheguei à conclusão que não era essa a alternativa. Não queria dar essa dor para minha família, para os meus pais”, explica.

Ela resolveu, então, recorrer a um casal de amigos de sua cidade que também morava em Brasília. Foram eles que a encorajaram para enfrentar o problema e compartilhá-lo com mais pessoas. Em agosto de 2024, ela começou efetivamente a se tratar.

Com medo de uma recaída, Luciana sequer teve coragem de apagar suas contas. Por isso, de vez em quando ainda recebe alguma ligação dos gerentes das plataformas nas quais apostava.

Feliz por ter completado aproximadamente 50 dias sem fazer uma aposta, Luciana tem estabelecido uma relação ainda melhor e mais franca com sua família e se empenhado em construir novas amizades. “O mais importante é que eu permaneço nessa busca por ajuda”, admite.

*O nome utilizado nesta história é fictício para preservar a identidade da entrevistada.

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Vicente* começou a apostar aos 16 anos por influência do pai

Longe da paixão por esportes

O vício em jogos é a doença do ainda. Isso é o que dizem jogadores em recuperação: se você não mentiu ainda até hoje, você ainda vai mentir. No caso de Vicente*, esconder a verdade sempre foi um hábito.

Divorciados desde o seu nascimento, os pais de Vicente o ensinaram a mentir. “Minha mãe me ensinava a mentir coisas para o meu pai e o meu pai me ensinava a mentir coisas para a minha mãe”. Vicente escondeu da família o vício em jogos e obteve um empréstimo de um banco se passando por um profissional autônomo, ele que era apenas um estudante de medicina.

Apaixonado por esportes, acreditava que encontraria nesse universo sua fonte de renda. “Acompanho jogos desde que eu sou criança, pode ser tênis, futebol, basquete, vôlei, qualquer coisa, até partidas de truco”. Aos 16 anos, por influência do pai – que joga esporadicamente–, Vicente começou a apostar.

Com o vício, ele perdeu não apenas dinheiro, mas tempo. “Perdi muita saúde, perdi muitas horas, já deixei de dormir muitas vezes para ver, por exemplo, os jogos de vôlei do sub-21 das Filipinas”.

Vicente passou apostar não apenas nos resultados, mas em jogadas ao longo das partidas, o que lhe rendia não só perdas e ganhos mais rápidos, como também mais doses de adrenalina. Com isso, o prejuízo chegou a R$ 30 mil, somando os empréstimos e cheque especial. Ao se ver sem saída para pagar a dívida, Vicente resolveu contar tudo para os pais.

Hoje, Vicente está sob tratamento psicológico e psiquiátrico e frequenta um grupo de ex-jogadores. Vicente reduziu drasticamente a quantidade de campeonatos que acompanha. Restaram apenas o futebol brasileiro e, dos Estados Unidos, o basquete e o futebol americano.

*O nome utilizado nesta história é fictício para preservar a identidade do entrevistado.

“O que dava para vender, eu vendi”

O vício rendeu a Fábio uma nova ocupação aos 41 anos. O servidor público da Secretaria de Saúde de seu estado, formado em gestão comercial, está hoje em uma transição de carreira.

Após fazer um curso de psicoterapia, tem prestado serviços terapêuticos a pessoas que o procuram para, assim como ele, superar o vício em apostas. A ideia surgiu das interações com seus seguidores no TikTok, onde ainda documenta seu processo de abstinência desde 2023, após ter perdido tudo o que tinha com jogos on-line.

Suas primeiras apostas foram orientadas por pessoas que ofereciam, nas redes sociais, serviços de dicas e de estratégias para aumentar os ganhos. No início, a ajuda funcionou: seus primeiros R$ 1 mil se multiplicaram em R$ 40 mil.

Não era possível, no entanto, se manter ganhando constantemente. Logo vieram as primeiras perdas. Fábio avançou para os jogos de cassinos on-line: “Foi a minha perdição”, revela. Sua dívida chegou a R$ 250 mil em julho de 2022.

Naquele momento, ele tentou parar pela primeira vez. Mas, a angústia da abstinência, um sentimento até então desconhecido por ele, o levou à beira de uma estrada para se matar. Pensar em seu casal de filhos, à época com 8 e 6 anos, lhe deu forças para continuar vivendo. Lembrar do quanto sofreu ao perder a mãe aos 21 anos, o fez decidir que seria melhor recomeçar.

Fábio voltou, então, para casa e, semanas depois, apostou novamente. Durante um ano, ele estourou os cartões, fez empréstimos consignados, vendeu três terrenos, um notebook, um celular e uma moto pela metade do preço. “Eu não tinha mais nada que vender dentro de casa, porque dava para vender, eu vendi”. Seu prejuízo passou dos R$ 300 mil.

Comendo repolho há semanas, sem dinheiro para pagar a pensão das crianças e os aluguéis atrasados, Fábio decidiu buscar ajuda. Sob acompanhamento psicológico e psiquiátrico, ele está há pouco mais de um ano e meio sem jogar.

Foto colorida de Larissa Rocha - Histórias Jogos Online - Metrópoles
Larissa se endividou com jogos on-line e recebeu ajuda de uma influenciadora que divulga casas de aposta

De volta à vida

O dinheiro que Larissa, 31 anos, precisava para pagar a dívida de R$ 4 mil que acumulou, durante oito meses, com jogos on-line veio de uma influenciadora que fatura com publicidade de casas de aposta.

Depois de perder todo o seu salário e parte do dinheiro marido em um jogo, sem querer contar a ele o problema, Larissa fez um empréstimo com um agiota. Por ter seguido apostando, chegado o prazo, ela não tinha como pagar as contas nem a dívida.

A mulher recorreu, então, ao TikTok. Bloqueou todos os seus familiares e conhecidos para publicar um vídeo pedindo ajuda, que teve mais de 1,6 milhão de visualizações. Foi assim que uma influenciadora se sensibilizou com sua história.

Sem se identificar publicamente, a criadora de conteúdo enviou mensagens privadas para Larissa revelando a culpa que sentia por saber que os jogos que ela divulga têm destruído muitas pessoas. O apelo também tocou uma psicóloga que a atende gratuitamente até hoje.

Larissa começou a jogar por incentivo de seu primo. Duvidava que seria possível faturar com jogos on-line. Mas, resolveu apostar os primeiros R$ 10. No primeiro final de semana, ela viu R$ 20 se tornarem R$ 500 e, então, passou a acreditar. Já que suas apostas eram baixas, mal contabilizava quanto vinha perdendo. Seu prejuízo se aproximou de R$ 15 mil.

Após a doação, ela quitou o restante de suas dívidas em dois meses. Há quase cinco sem apostar, não teve recaídas. Grávida de seis meses e trabalhando como atendente em uma livraria em sua cidade, Florianópolis, Larissa tem se dedicado à sua gestação, à sua filha de 12 anos e ao seu marido. Retomando sua vida social, ela sente que voltou a viver.

Busque ajuda

Se você tem um problema com jogos ou conhece alguém que tenha, procure ajuda.

O Jogadores Anônimos acolhe gratuitamente pessoas que tentam parar de jogar por meio de reuniões on-line e presenciais.

WhatsApp: (11) 99571-6942

Site: jogadoresanonimos.com.br

O grupo PRO-AMITI, do Hospital das Clínicas da USP, reúne profissionais que prestam atendimento gratuito a pessoas com diversos transtornos, dentre eles, o vício em jogos.

Telefone: (11) 99004-6247 ou (11) 2661-7805

Site: www.proamiti.com.br

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