“Conservadorismo de esquerda” conquista votos nas eleições da UE
Progressista na economia e conservador os costumes, Aliança Sahra Wagenknecht é a fina flor do pragmatismo eleitoral
atualizado
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As eleições para o Parlamento Europeu não foram protagonizadas apenas pela ascensão da extrema-direita. Na Alemanha surgiu uma nova força política que se estica entre as plataformas econômicas da esquerda e as reivindicações anti-imigratórias da direita. A política, economista e escritora Sahra Wagenkmecht criou um partido com seu nome e conquistou o terceiro lugar em algumas regiões do país.
A Aliança Sahra Wagenknecht – Razão e Serenidade – alcançou 6,2% dos votos da Alemanha nas eleições europeias, superando os 5,2% do Partido Liberal Democrático (FDP), integrante da atual coalizão governista, e os 2,7% de A Esquerda, antiga legenda de Wagenknecht. Sua base eleitoral é a antiga Alemanha Oriental, onde amealhou 13% dos votos, ficando atrás apenas da Alternativa para Alemanha (AfD) de ultradireita, e dos conservadores da União Democrata Cristã (CDU).
Wagenknecht é bem conhecida no universo político do país. Nascida na antiga Alemanha Oriental, em 1969, é filha de mãe alemã e pai iraniano. Foi comunista na juventude e teve sua militância ligada ao partido que atualmente se chama A Esquerda. Nos últimos anos consolidou-se como umas de suas principais lideranças e que mais reivindicava mudanças ideológicas.
Em outubro de 2023, ela anunciou que deixaria a legenda para criar o ASW. Se entre as características do populismo estão o personalismo e a liderança carismática, o discurso de união do país e a conciliação das classes, a defesa da economia nacional e a vital participação do Estado nesse processo, Sarah Wagenknecht quase tira nota dez. Afinal, são poucos líderes capazes de criar um partido com seu nome.
O texto de Fernando Marcelino, do site Outras Palavras, reúne trechos do manifesto do partido e declarações de sua líder. O pragmatismo é explícito: “Nós acreditamos, e muitas consultas também demonstraram, que grande parte dos eleitores da AfD (ultradireita) são eleitores por protesto. Não são ultradireitistas, não sustentam as posições radicais de direita […] eles sentem que não estão sendo escutados. E não estão: não é só um sentimento, é a verdade”. Há um nicho de eleitores sem representação e conquistá-los é o objetivo. É do jogo.
O partido é rotulado como economicamente socialista, conservador cultural, nacionalista, conservador de esquerda, socialista de direita. O ASW defende mais investimentos em serviços públicos, na assistência social, redistribuição da riqueza e mais investimentos públicos na economia.
Em seu manifesto, faz um alerta contra o “autoritarismo político da cultura de cancelamento”, e afirma que a “esquerda foi dominada por uma panelinha intolerante e obcecada por si mesma que só fala entre si e ignora o seu apoio eleitoral tradicional”.
Sobre a imigração, afirma que a “coexistência de diferentes culturas” poderia enriquecer o país desde que não sobrecarregue sua infraestrutura, assim, o governo foi irresponsável ao permitir a chegada descontrolada de estrangeiros. Para o partido, a coesão social está se desintegrando, o país está dividido e a esquerda não pensa no bem comum, mas em uma justiça própria. Seu ideário está construído. Resta saber quais serão suas decisões práticas quando a realpolitk bater à sua porta
Wagenknecht é mais uma das manifestações da crise das esquerdas no mundo. As propostas e as reivindicações contra o sistema e a utopia de uma sociedade mais justa foram atropeladas pela defesa da democracia associada a uma economia de mercado. As pautas identitárias e dos direitos humanos e ambientais não repercutem nos problemas diários de uma classe média e baixa pressionada pela alta dos preços, sem formação política e cercada pelas informações das redes sociais e seus algoritmos de direita. Essa parte da sociedade protesta contra uma elite cultural que menospreza e vulgariza esses cidadãos. Na Europa, excetuando-se os nórdicos, a esquerda mingua.
Dá pra imaginar uma versão brasileira? Um partido que defenda o PL do Aborto, as cotas nas universidades e o Bolsa Família, a taxação dos ricos, a valorização do salário mínimo, industrialização, teto de gastos e penas mais rígidas. Certamente com a Bíblia na mão e a camisa do Brasil. Entendeu? Eu não. Nessa salada, os sinais eleitorais, anunciados por muita gente, do distanciamento de alguns movimentos de esquerda com a realidade conservadora do país. Qual a resposta da esquerda para o contemporâneo?