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Boric enfrenta o fantasma de Pinochet

Tensão ao invés de reflexão sobre 50 anos do golpe

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Presidente do Chile, Gabriel Boric, deixa Palácio do Itamaraty após dia de reuniões com países da América do Sul 4
1 de 1 Presidente do Chile, Gabriel Boric, deixa Palácio do Itamaraty após dia de reuniões com países da América do Sul 4 - Foto: Vinícius Schmidt/Metrópoles

Os 50 anos do golpe militar no Chile evidenciam o custo social de deixar feridas abertas. O presidente Gabriel Boric, um herdeiro de Salvador Allende, queria usar a data para refletir e refundar um consenso: a ditadura cometeu crimes que jamais devem ser esquecidos. Encontra, porém, uma sociedade polarizada, em que a violência militar é relativizada e o fantasma de Pinochet paira sobre o país, entre assassino e herói.

O contexto político não ajuda Boric. Sua eleição deve-se ao desejo social de mudança e a maré do “estallido” de 2019. Hoje, faz um governo com baixa popularidade, que naufragou no plebiscito constitucional e ainda perdeu a última eleição constituinte. Nesse cenário político adverso, a esquerda se fragmenta e a direita e extrema-direita avançam, celebrando o ex-ditador, morto em 2006.

Já escrevi isso outras vezes. Quando viajei pelo Chile durante 4 meses e perguntava sobre a ditadura, havia três opiniões que se repetiam sobre Pinochet: um assassino que deveria ter sido condenado; ele precisou agir para evitar o comunismo, mas errou ao ficar tempo demais; “mi comandante”.

Uma pesquisa do CERC (Centro de Estudos da Realidade Contemporânea) apontou que o percentual de pessoas que acreditam que houve uma razão para o golpe de Estado de 1973 caiu de 36% em 2003 para 16% em 2013. E voltou a crescer este ano ao mesmo patamar de 2023. Vinte anos depois, não se estabeleceu um a ideia de que uma ditadura é inaceitável.

Como acontece no Brasil, não se reconhecem a importância dos direitos humanos. Repete-se, o opinião comum durante a ditadura argentina. Se foi preso, alguma coisa fez. Nega-se o direito de defesa e aceita-se os excessos e a tortura. Um patriotismo que exala o sangue de jovens e também de inocentes.

A Argentina levou à prisão seus militares assassinos e torturadores. O Chile também, mas sem a mesma convicção e apoio popular. O “Informe Rettig”, de 1991, foi o primeiro documento oficial a denunciar as violações da repressão e identificar mais de 2 mil vítimas. Em 2004, o ex-presidente Ricardo Lagos criou a “Comissão Valech” para identificar pessoas detidas e torturadas por agentes ou pessoas a serviço do Estado sob o regime militar. Outra comissão, criada pela ex-presidente Michelle Bachelet em 2010, reconheceu mais de 40 mil vítimas e mais 3 mil mortos ou desaparecidas.  Na semana passada, Gabriel Boric assinou um decreto para formalizar o Plano Nacional de Busca de Vítimas de desaparecimento durante o regime militar.

Com todas essas ações do Estado, cerca de 250 militares estão presos atualmente. Entretanto, a prisão de Pinochet, sua presença em um tribunal, sentado no banco dos réus, jamais aconteceu. A força simbólica dessa imagem, que poderia fechar as feridas para esse passado, jamais ocorreu.

Na semana passada Boric se reuniu com seus quatro antecessores para assinar em conjunto o documento “Pela democracia, sempre”. Uma oportunidade para unir partidos de esquerda e direita no discurso pelos direitos nesses 50 anos de golpe. A extrema-direita divulgou seu próprio manifesto, criticando o atual presidente e anunciando que não participará das comemorações. Para parte da sociedade, um momento de reflexão, para outra, tempo para dirigir ódios. Para todos, a tensão de uma fratura exposta.

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