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Vigília Responsável e Solidária (por Cristovam Buarque)

Os políticos optaram pela velha tradição brasileira de liberar despesas maiores do que a receita. Agora miram o teto de gastos

atualizado

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Pablo Valadares/Agência Câmara
Arthur Lira_plenário_Câmara
1 de 1 Arthur Lira_plenário_Câmara - Foto: Pablo Valadares/Agência Câmara

Nossa geração de brasileiros foi condenada a pagar dívidas com brasileiros que não receberam no passado pagamentos a que tinham direito. Os precatórios surgiram de irresponsabilidades e incompetências cometidas por governos anteriores, que o atual governo deve pagar. Se não fizer, além de represálias jurídicas que sofrerá, estará adiando o problema para brasileiros do futuro, e cometendo injustiça com aqueles que têm direito de receber os créditos que a lei já reconheceu. Esta situação é simples se não for confrontada com a realidade aritmética, comparando o valor da dívida que vem do passado com a disponibilidade de dinheiro no presente. O setor público brasileiro não dispõe dos bilhões de reais necessários para pagar a dívida, salvo se os políticos fizessem uma reforma fiscal para retirar dinheiro de empresas e pessoas para financiar estes gastos; ou se rompesse as amarras da responsabilidade fiscal e permitisse ao governo gastar mais do que dispõe, pagando com moeda desvalorizada pela inflação, o que não deixa de ser uma reforma fiscal em que todos pagariam pela redução do valor da moeda que têm em mãos. A alternativa de emitir títulos em vez de moeda é uma forma de trocar precatório hoje por pagamento da dívida no futuro acrescida de juros, com o agravante de que para trocar os títulos por dinheiro seria necessário aumentar a taxa de juros a ser paga aos que emprestam o dinheiro, assustados com risco de futuros calotes, provocando nefastas consequências sobre a economia, tais como desemprego e recessão.

Os políticos optaram pela velha tradição brasileira de liberar despesas maiores do que a receita, como sempre fizeram para atender ao apetite por gastos em privilégios, emendas, ostentação, subsídios, obras necessárias ou não, e até por gastos sociais necessários. Para isto eles precisam romper a PEC do Teto que, sendo determinação constitucional, precisa de um quórum qualificado. Embora a maioria de nossos políticos sejam, historicamente, populistas e irresponsáveis nos gastos públicos, o fato de estar na Constituição faz com que a liberação para gastar exige uma maioria expressiva. Com isto, uma minoria dos parlamentares pode barrar a volta do casamento entre economistas negacionistas da aritmética e populistas de direita e de esquerda que conduziram as finanças públicas brasileiras, ao longo de grande parte das últimas seis a sete décadas.

Para vencer esta minoria que deseja manter a responsabilidade fiscal do Teto, os defensores da irresponsabilidade encontraram dois argumentos: não se deve dar calote em dívida e é preciso atender aos pobres que passam fome. De repente, políticos de esquerda que defendiam calote ou renegociação da dívida pública agora ae tornam radicais opositores do calote e de renegociação dos “precatórios”, e políticos insensíveis ao sofrimento do povo passam a defender os brasileiros que passam fome. Além do imediatismo eleitoral, estão usando a fome e os “precatórios” para voltar ao negacionismo da aritmética que permite tratar com irresponsabilidade as finanças públicas. Tomando carona na fome e nos “precatórios”, políticos de esquerda e de direita querem voltar ao tempo de gastos sem limites para suas emendas, privilégios, subsídios, ostentação, desperdícios, fundo partidário, fundo eleitoral, e certos gastos sociais, sem tocar nos privilégios e na concentração de renda, nem na tributação regressiva que isenta os ricos e penaliza aos pobres..

A derrubada da PEC do Teto é uma contrarrevolução feita em nome de atender aos esfomeados e cumprir ordem judicial. Mais uma vez a política nacional beneficia aos ricos com a ilusão de beneficiar aos pobres, jogando para estes pagarem o que recebem com a carestia que roubará o que recebem. Em um país com o potencial para a produção agrícola e com a capacidade de distribuição de alimentos a ocorrência de fome só se explica pela maldade e cegueira da política. Se quisessem de fato enfrentar a fome genocida que acontece sob nossos olhos, o Congresso deveria se reunir em vigília, responsável e solidária, contra a fome, dia e noite, sábado e domingo, com a pauta exclusiva de como resolver o problema da fome, definir um programa emergencial, estimado quanto será preciso tirar dos que comem para os que não comem, sem roubar ao povo com inflação. Em um país com o potencial.

Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador

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