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Verifique se o elevador está mesmo no seu andar (por Paulo Delgado)

O Executivo renuncia ao seu papel de governar e o Legislativo esquece o de fiscalizar

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Congresso Nacional, sede do parlamento brasileiro em Brasília (DF), visto de frente. Ao fundo, o céu é azul com poucas nuvens - Metrópoles
1 de 1 Congresso Nacional, sede do parlamento brasileiro em Brasília (DF), visto de frente. Ao fundo, o céu é azul com poucas nuvens - Metrópoles - Foto: Getty Images/Reprodução

Como se combinasse algum malfeito o Congresso dá às suas votações um sentido de proclamação. Faz o povo explorado desejar ser dominado e amar o poder ordinário que o cataloga como necessitado.  Funcionando de forma virtual, essência do jogo em andamento, faz leis para um mundo que não deveria existir amanhã. Os ditames da compaixão irresponsável são uma fraude.

A ética diz respeito a atos, fatos e escolhas. Boas ou más é imoral justificar ações pelas consequências. O interesseiro condena-se a si mesmo.

Verdades impenetráveis, falsa sociabilidade, cintilações da bondade humana, aparências do bem, se necessitam explicações exigem construção de versões. Não têm sido legisladores, religiosos, nem juízes – a quem não falta nada – os porta-vozes dos sonhos de mudança em nosso país. Mas onde estão guardados os sonhos?

Todos os grandes pensadores, de Lutero a Marx, já formularam a ideia de que a humanidade sempre está de posse de um sonho que não tem bem consciência de como o possuir realmente. Viver melhor não é impossível, mas não funciona se a pessoa não tem como sair do mesmo lugar.

Lutero, por exemplo, não teria nenhuma paciência com pastores acusados de desonestidade e continuaria implacável na linguagem rude que usava: quem se mete com esterco, ganhado ou perdendo, acaba se sujando.  Marx não apoiaria a PEC da Emergência Eleitoral (não é emenda constitucional, é mais um rastro deste saco-de-gatos-sem-fundo e conjuntural) porque não veria sentido partidos de esquerda terem medo de eleitor fisiológico e ainda esperarem usufruir de sua própria impotência.

Quando se erra e se sente vergonha alguma chance de mudança ainda existe. Mas vergonha sem mal-estar é quase uma sem-vergonha. A impressão é que a proveitosa e interminável convivência política virtual, justificada pela pandemia, dissolveu as diferenças entre Executivo e Legislativo. A simbiose entre os dois ficou crônica de tal maneira que a eleição parlamentar terá como lema “política e atraso”. Porque, mantido o país à deriva no presidencialismo atual, nada mais barato do que deputado caro.

(A OMS deve ter sido informada que o Congresso brasileiro é o mais persistente foco do coronavírus na América e que por isso, o regimento interno especial, considera insalubre qualquer discussão. Parlamentar on-line é a melhor máscara de proteção contra o político de opinião e um álibi para quem tem mandato, mas não o exerce).

O que temos hoje é camuflagem e mimetismo, o materialismo puro entre dois poderes virtualmente se usando – o Executivo renuncia ao seu papel de governar e o Legislativo esquece o de fiscalizar. Rio sem margem, é um desassossego ver a política em frangalhos caminhar para uma eleição movida a dinheiro.

Com o parlamento só vinculado a si mesmo, esperando a hora zero de aderir ao presidente que vai ganhar, o eleitor não vai sobreviver ao fim desta política. Ou dá uma freada de arrumação na feira do rolo congressual ou se conforma em comparecer como convidado do TSE para ser testemunha ou jurado desta época em que vai flanando entre a UTI, o necrotério, o desemprego e o vale tudo.

Causa justa não limpa dinheiro sujo. Evite a fuga para a escuridão. Não entre no elevador sem ter certeza de que ele está no seu andar.

 

PAULO DELGADO, Sociólogo e Cientista Político foi Constituinte de 1988. É Conferencista e Consultor.

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