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Uma ponte para a Europa (por Marcos Magalhães)

Lula e Olaf Scholz reaproximam Alemanha e Brasil

atualizado

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1 de 1 foto-lula-olaf-chanceler-alemao - Foto: Vinícius Schmidt/Metrópoles

A Alemanha emitiu sinais rápidos de reaproximação com o Brasil após a eleição de Luís Inácio Lula da Silva. Enviou para a cerimônia de posse do novo presidente o seu chefe de Estado, Frank-Walter Steinmeier. E chegou a Brasília, 29 dias depois, o seu chefe de governo, Olaf Scholz.

Entre as duas visitas, foi anunciada ainda em janeiro a intenção do governo alemão de colocar à disposição do Brasil de maneira imediata 35 milhões de euros do Fundo Amazônia, para ações de combate ao desmatamento e incentivo à bioeconomia.

Aquele mesmo fundo suspenso depois que o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, decidiu retirar representantes da sociedade civil do conselho de gestão dos recursos.

Ainda antes do pouso em Brasília do avião que transportava o chanceler Scholz e uma comitiva de empresários e integrantes do governo, foi divulgada a intenção alemã de ajudar o Brasil com um pacote de aproximadamente R$ 1,1 bilhão para políticas de desenvolvimento sustentável, combate ao desmatamento e inclusão social.

O pacote inclui a quantia já anunciada para o Fundo Amazônia, destina R$ 440 milhões por meio de redução de juros para agricultores que desejem reflorestar suas terras e – no mesmo clima de rapidez – garante recursos para auxílio imediato de saúde ao povo Yanomami.

“Os recursos do Fundo Amazônia serão deslocados para ações emergenciais”, disse a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, após encontro com a ministra alemã de Cooperação, Svenja Schulze. Além de atendimento médico e de combate à fome, detalhou, as ações envolvem a retirada de garimpeiros das comunidades indígenas.

Xadrez

Os movimentos rápidos e coordenados dos dois governos parecem lembrar os bons tempos das seleções nacionais de futebol dos dois países. Mas, na verdade, podem estar ligados a uma leitura do cenário global contemporâneo digna dos melhores jogadores de xadrez.

De um lado, essa leitura inclui a rara oportunidade de se recosturar uma aliança de antigos parceiros que havia sido congelada durante o governo Bolsonaro. De outro, a percepção de que a reaproximação pode ajudar os dois países – e os dois blocos que lideram, Mercosul e União Europeia – a se posicionar na nova ordem ainda em formação.

Os desafios são imensos: a mudança climática, a estagnação econômica e uma guerra a pouco mais de mil quilômetros da capital alemã, que afeta o mercado mundial de energia.

Berlim tem procurado se posicionar entre os líderes nos esforços para conter o aquecimento do planeta – o que inclui uma mudança radical em seus padrões de consumo de energia. Ao mesmo tempo, enfrenta a redução do fornecimento de gás pela Rússia, como represália à condenação alemã da invasão da Ucrânia.

Brasília, por sua vez, quer reiterar ao mundo seus compromissos com a democracia, a justiça social e a proteção inequívoca do meio ambiente – em especial da Amazônia. E pretende se apresentar como protagonista na chamada transição energética, que, ao longo das próximas décadas, promoverá a substituição de combustíveis fósseis por fontes renováveis.

O atual estágio dessa transição atende pelo nome de just transition, com a inclusão na equação de temas sociais tão caros aos países do chamado Sul Global, onde estão muitos dos recursos naturais necessários à mudança do cenário global de energia.

Antes de chegar ao Brasil, Scholz e sua comitiva estiveram no Chile e na Argentina, países que – juntamente com a Bolívia – podem deter mais de 60% das reservas mundiais de lítio, mineral necessário à fabricação de baterias usadas na mobilidade elétrica.

Grandes empresas automobilísticas alemãs, como Mercedes-Benz e BMW, já preparam sua migração para a produção de carros elétricos. Ambas estão em busca de fornecedores confiáveis. Os dois países sul-americanos querem entrar nessa lista, mas em novo modelo.

A mineração deverá atender a critérios de proteção ambiental bem mais exigentes do que os adotados para extração de outros minerais no passado. E precisará ser acompanhada de atividades de beneficiamento e industrialização que atendam às populações locais.

Hidrogênio

O Brasil também produz lítio. Mas a grande parceria para o futuro com a Alemanha, em termos de energia, deverá ser a produção de hidrogênio verde. Ou seja, que envolva em sua fabricação apenas energias renováveis, como a solar e a eólica – inclusive em plataformas localizadas ao longo da costa brasileira.

Segundo estudo feito pela empresa alemã de consultoria Roland Berger, divulgado pelo Valor Econômico, o Brasil poderá vir a se tornar o maior produtor mundial de hidrogênio verde e alcançar receita anual de R$ 150 bilhões a partir de 2050.

O sol e os ventos brasileiros ajudarão a produzir um combustível capaz de movimentar automóveis, caminhões, trens, aviões e navios. E uma parceria com empresas alemãs nesse setor já está a caminho.

Na página oficial na internet da empresa alemã Siemens, o diretor de Novos Negócios de Energia faz uma aposta ousada. “Acredito piamente que a próxima etapa da transição energética global será baseada na economia do hidrogênio”, prevê Armin Schnettler.

Uma associação bilateral na produção de hidrogênio poderá aproximar não apenas os dois países, mas as duas regiões.

Ao mesmo tempo em que estimulará o crescimento econômico, ajudará a combater a mudança climática e a tornar o Velho Continente, em médio prazo, menos vulnerável a reduções de fornecimento de gás natural.

Segundo o diretor-geral da Siemens Energy Brasil, André Clark, “a guerra entre Ucrânia e Rússia acelera a transição, enquanto países e empresas buscam descarbonizar suas atividades”.

A preocupação ambiental presente na reaproximação entre Brasil e Alemanha, que deixa as palavras para ganhar os atos por meio de doações para a proteção da Amazônia, poderá ainda preparar o terreno para a conclusão das negociações do acordo de associação entre o Mercosul e a União Europeia.

Ao final do encontro em Brasília, os líderes dos dois países defenderam o entendimento. “Vamos fechar o acordo até o fim deste semestre”, prometeu Lula.

“O acordo é de interesse das duas partes”, replicou Scholz. “E por isso precisamos preparar o caminho para fortalecer nossas economias”.

Além de uma guerra ainda em andamento, o mundo está marcado por uma crescente rivalidade econômica e tecnológica entre as duas maiores superpotências, Estados Unidos e China.

A Europa e a América do Sul precisam buscar alternativas nesse novo cenário global. A reaproximação entre Alemanha e Brasil pode ser um bom passo nesse sentido.

 

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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