Uma janela aberta ao mundo (por Marcos Magalhães)
“O Brasil está pronto para retomar seu protagonismo na luta contra a crise climática”, disse Lula
atualizado
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Depois dos quatro anos de fortes emoções do governo Jair Bolsonaro, o Brasil ofereceu ao mundo no início da noite de domingo uma dose de serenidade. A vitória apertada de Luís Inácio Lula da Silva parece ter aberto uma janela para o resto do planeta.
O presidente norte-americano Joe Biden e os principais líderes europeus foram rápidos em felicitar o vitorioso nas eleições, até para desestimular qualquer delírio golpista do candidato derrotado. O frio relacionamento com a China dos últimos anos dará lugar, segundo o presidente Xi Jinping, a uma cooperação “estratégica e de longo prazo”.
O presidente da Argentina, Alberto Fernández, já estava em São Paulo um dia depois das eleições para felicitar o presidente eleito. E, ao iniciar o degelo das relações bilaterais, o governo da Noruega anunciou que retomará as contribuições para o Fundo Amazônia.
“Hoje nós estamos dizendo ao mundo que o Brasil está de volta”, afirmou Lula em pronunciamento, logo após a conclusão da apuração dos votos. “O Brasil é grande demais para ser relegado a esse triste papel de pária do mundo”.
O caminho para que o país possa retomar o papel de destaque que teve nas relações internacionais durante os dois primeiros mandatos do atual presidente eleito passa por um tema no qual o Brasil é um ator incontornável: o meio ambiente.
Bolsonaro isolou o país de duas importantes maneiras. A primeira delas foi a de afastar-se de tradicionais aliados e apostar na aproximação com líderes populistas de direita, como o húngaro Viktor Órban. A segunda foi a de adotar uma postura excessivamente nacionalista e reativa sobre a preservação da Amazônia.
O desapreço do atual presidente pela democracia e seu permanente estado de conflito com o Poder Judiciário assustaram diversas lideranças do mundo ocidental. Mas o seu desprezo pela questão ambiental foi determinante no isolamento do país no cenário internacional.
Tanto que a proximidade do pleito ganhou destaque em importantes publicações de circulação global. O jornal The New York Times deu apoio em editorial à candidatura de Lula, por este haver provado em seus dois mandatos a capacidade de “ser duro contra os crimes ambientais”.
O francês Le Monde foi mais longe logo após a divulgação dos resultados de domingo. O jornal parisiense registrou a intenção do presidente eleito de “recolocar o respeito ao meio ambiente no coração de sua ação”.
A apenas alguns dias da abertura no Egito da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2022 (COP 27), ressaltou a publicação, a eleição do novo presidente brasileiro “soa como um alívio planetário”.
Lula parece ter percebido a centralidade que o tema terá no período de seu novo mandato. E já começou a negociar sua presença na abertura da conferência em Sharm El Sheikh, a convite do Consórcio de Governadores da Amazônia Legal.
“O Brasil está pronto para retomar seu protagonismo na luta contra a crise climática”, disse Lula no domingo. Ele prometeu empenhar-se pelo desmatamento zero da Amazônia e anunciou estar aberto à cooperação internacional, sem renunciar à soberania brasileira.
As palavras de Lula foram muito bem recebidas em todo o mundo. A partir de janeiro, porém, ele sabe que precisará apresentar fatos. E não será fácil colocar em prática suas intenções depois de quatro anos em que o atual governo brasileiro abrandou regras ambientais, esvaziou órgãos de controle e flertou com garimpeiros e madeireiros ilegais.
Como retomar a iniciativa após um governo que adotou postura tão hostil à preservação ambiental? Um plano de ação imediata elaborado pelo grupo Concertação pela Amazônia – uma ampla rede de pessoas, instituições e empresas – pode ser um bom ponto de partida.
A Concertação elaborou um documento contendo sugestões para os 100 primeiros dias de governo do presidente eleito, em áreas que vão da questão climática à educação, à economia e ao combate à pobreza.
Uma das propostas é a criação, por medida provisória, da Secretaria de Estado para Emergências Climáticas, vinculada diretamente à Presidência da República.
A adoção dessa medida, indica o documento, “representaria uma sinalização para a sociedade brasileira e para a comunidade internacional sobre a disposição do Brasil em se colocar na liderança global da corrida pela descarbonização”.
O grupo sugere também que o Conselho Gestor do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) destine pelo menos 35% de seu orçamento anual à ampliação da conectividade de escolas públicas da Amazônia e à promoção da telemedicina na região.
Uma terceira proposta é o restabelecimento do Programa Bolsa Verde, de transferência de renda a famílias pobres que contribuam para a proteção da floresta.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o percentual de pessoas abaixo da linha da pobreza na Amazônia Legal chegou a 45%, 18 pontos acima do observado no resto do país.
A retomada da preservação ambiental da Amazônia, tão bem acolhida pelo resto do mundo, precisa mesmo ser acompanhada de políticas de combate à pobreza e da adoção de um novo modelo de desenvolvimento para a região, que tenha como protagonista a economia verde.
Os desafios são grandes. As resistências poderão ser ainda maiores, depois de quatro anos nos quais tudo parecia permitido. O presidente eleito deverá dedicar ao tema as suas melhores habilidades políticas, para que os futuros resultados abram caminho a essa retomada, pelo Brasil, de seu protagonismo internacional.
Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.