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Uma grande ilha flerta com a esquerda (por Marcos Magalhães)

no Reino Unido a esquerda promete “tomar de volta as ruas” e aumentar a confiança da população na polícia e na Justiça

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1 de 1 parlamento reino unido - Foto: Reprodução/Flickr

Há pouco mais de oito décadas o Reino Unido era o coração da resistência às tropas de Hitler, que avançavam sobre a Europa Ocidental. Nostálgicos do fascismo agora ganham espaço pelas urnas. E a velha Grã-Bretanha pode estar prestes a nadar contra a corrente.

No dia 4 de julho os eleitores britânicos vão às urnas para escolher seu futuro. Depois de 14 anos de domínio conservador, eles parecem dispostos a dar uma nova chance ao velho Partido Trabalhista, que pode vir a formar um novo governo.

Até aqui o Labour conta com ampla vantagem nas pesquisas: até 20 pontos percentuais à frente do Partido Conservador. Uma possível aliança com os Verdes, por exemplo, seria capaz de lhe garantir maioria absoluta no novo Parlamento.

De fora da União Europeia e às voltas com profundas dificuldades econômicas, o Reino Unido parece inclinado a adotar novo rumo. E a palavra “mudança” aparece em grandes letras em toda a propaganda política dos trabalhistas.

A Europa Continental anda flertando com os netos da antiga direita fascista. Na Itália, a neofascista Giorgia Meloni acaba de ser anfitriã da reunião de cúpula do G-7, grupo dos países mais ricos do mundo.

Na França, a direita radical de Marine Le Pen pode conquistar pela primeira vez maioria na Assembleia Nacional, o que lhe abriria o caminho para se tornar primeira-ministra. Na Alemanha, os neonazistas da AfD crescem ano a ano.

A onda de direita já foi tema de várias explicações, muitas delas ligadas à crise econômica, à decadência da própria Europa e de uma percebida invasão de imigrantes, especialmente da África Negra e de países árabes. Lideranças populistas de direita acenam com soluções simples – e duvidosas – a problemas complexos.

Por enquanto permanecem de pé os governos do centrista Emmanuel Macron, na França, e do social-democrata Olaf Scholz, na Alemanha, este em aliança com os Verdes e com os liberais. Pouca gente se arrisca, no entanto, a prever o que virá em seguida.

Como nada é certo na política, também não se pode prever com certeza o que acontecerá nas grandes ilhas britânicas. A julgar pelas pesquisas, porém, o Reino Unido poderá se converter, mais uma vez, em obstáculo ao avanço da direita radical.

E que face teria um possível novo governo trabalhista? As pistas para entender as intenções do partido estão no Labour Manifesto 2024, uma carta de intenções que acaba de ser apresentada pelo partido à população britânica.

O texto serve ainda como guia para a compreensão do que pode vir a ser o perfil de uma nova esquerda europeia, após eventos como a invasão da Ucrânia pela Rússia, o crescimento do populismo autoritário e a crise ambiental.

“O mundo tem se tornado crescentemente volátil, com uma grande guerra na Europa pela primeira vez em uma geração e ameaças cada vez maiores ao padrão de vida do povo trabalhador”, diz Keir Starmer, o líder trabalhista, na abertura do manifesto. “Essa era de insegurança exige que o governo se fortaleça e não que se coloque à margem”.

Na opinião do líder, isto quer dizer um retorno aos fundamentos do que considera um bom governo: segurança nacional, segurança nas fronteiras e estabilidade econômica. Mas também uma aliança com o setor produtivo para garantir o crescimento econômico.

No manifesto, Starmer aponta cinco metas principais para o que chama de reconstrução de seu país: alcançar a maior taxa de crescimento sustentável no G-7; fazer da Grã-Bretanha uma “superpotência em energia limpa”; reduzir pela metade os índices de crimes violentos; reformar o sistema de educação para assegurar oportunidades; e preparar o Sistema Nacional de Saúde (NHS) para o futuro.

Ou seja, a liderança trabalhista renova promessas em seus campos tradicionais de atuação, como a educação e a saúde. Amplia seu compromisso com o meio ambiente e promete mais crescimento. Mas também acena com maior combate ao crime.

Enquanto no Brasil o governo federal deixa a tarefa aos estados e evita assumir protagonismo no setor, no Reino Unido a esquerda promete “tomar de volta as ruas” e aumentar a confiança da população na polícia e na Justiça.

Outra diferença está na economia. Enquanto a falta de claras diretrizes econômicas no Brasil aumenta a incerteza às vésperas de uma reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central, a esquerda britânica parece assumir um compromisso com a austeridade.

“Nosso enfoque é baseado em fortes regras fiscais, que guiarão cada decisão que tomarmos no governo”, anuncia o manifesto trabalhista. “Nossas regras fiscais são: o atual orçamento se equilibra, de maneira que os custos sejam cobertos por receitas, e a dívida deve cair como percentual da economia”.

Por outro lado, o texto divulga ao mesmo tempo a intenção dos trabalhistas de levar o setor público de volta a setores como as ferrovias e a energia, garantindo, por exemplo, que novas empresas públicas assumam o comando de setores quando vencer o prazo de concessões a companhias privadas.

Ou seja, o Partido Trabalhista promete um governo equilibrado. Renova seus tradicionais compromissos sociais e, ao mesmo tempo, acena com novas medidas em áreas como o combate ao crime e a estabilidade da economia.

O tempo dirá se, uma vez eleitos, os trabalhistas conseguirão levar as intenções para o mundo real das decisões cotidianas. O mundo estará atento.

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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