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Uma academia cada vez mais brasileira (por Gustavo Krause)

A presença do líder e filósofo indígena, Ailton Krenak, torna a ABL mais diversa e plural

atualizado

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Divulgação/Sociedade do medo
Ailton Krenak
1 de 1 Ailton Krenak - Foto: Divulgação/Sociedade do medo

“É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito”. A frase é atribuída a Einstein”. Apócrifa ou não, a verdade é que o gênio, judeu asquenaze (não praticante e ativo pacifista) foi salvo do genocídio nazista graças à mudança da família para Itália, com formação acadêmica em Zurique, docência em Praga, Berlin, de onde emigrou em 1933 para os EUA, naturalizado norte-americano em 1940. Sabia um “pouquinho” de Física, Matemática e muito do preconceito assassino em massa.

O preconceito é um poderoso malefício que invade a alma humana com peso histórico-cultural e produz, incessantemente, o veneno da discórdia, da intolerância anulando qualquer virtude que sirva como antídoto. Mais que divide, aniquila qualquer possibilidade de aceitar a diversidade pessoal e social. Nega e extingue o outro.

Sob mil disfarces, nasce, prospera e contamina o tecido social que se encrespa como um animal violento ou, sorrateiramente, passa para o perigoso estágio de assimilação política como arma de dominação.

Vai de casa para as ruas; das ruas, sob formas sutis de rejeição, dá um salto na dinâmica social e o que era apelido, o gesto desprezível do bullying, encontra guarida nas instituições e se legitima a tal ponto que se transforma em grito de guerra. Torna-se real, mortal, no campo de batalha para extinguir (des)identidades naturais em nome da raça, do gênero, da religião e da aporofobia, o horror aos pobres.

O caso brasileiro é emblemático em duas direções: a persistência da exclusão social; e a luta heroica dos humilhados que enfrenta e avança passo a passo no sentido de vencer a mazela atemporal do preconceito.

A despeito das dificuldades, há uma ampliação da consciência inclusiva no Brasil. No plano simbólico, a mais forte demonstração foi a eleição do indígena Ailton Krenak para a Academia Brasileira de Letras na cadeira do grande historiador José Murilo de Carvalho.

A propósito, as portas dessa admirável Instituição foram abertas, na origem, por um dos fundadores e primeiro Presidente, Machado de Assis, à sua época, denominado “homem de cor”; hoje um “escritor negro”, assim referido por Harold Bloom (1930-2019): “Machado de Assis é uma espécie do milagre, mais uma demonstração da autonomia do gênio literário, quanto a fatores como tempo, lugar, política e religião e todo tipo de contextualização que supostamente produz a determinação dos talentos”(Gênio, p.688. Rio de Janeiro: Objetiva, 2003).

Krenak chega a ser um milagre? Prefiro identificar um momento histórico com forte significado. A ABL está cada vez mais plural. A presença de Krenak traz com ele tradições milenares e uma benvinda transgressão ao artigo primeiro do estatuto da Academia que estabelece como finalidade “a cultura da língua e da literatura nacional”. Para pôr em acordo as diversas fontes, é possível afirmar que existem 150 línguas e dialetos indígenas no Brasil e cerca de 250 etnias.

Krenak não quebra, acumula tradições; não transgride regra, amplia significados; ajuda a reescrever nossa história; estimula o debate sobre a dimensão temporal dos territórios e, mais profundamente, revela importantes reflexões sobre o debate da agenda contemporânea que envolve as relações entre a Humanidade e a Natureza.

Sua biografia é absolutamente adequada ao personagem que assumirá formalmente a imortalidade acadêmica. Mais que um rosto pintado com as tintas do jenipapo, gravado da tribuna da Assembleia Constituinte (1988), nascido em 1953, em Itabirinha (MG), Krenak é ambientalista, filósofo, poeta, escritor, professor Doutor Honorário pela Universidade Federal de Juiz de Fora e pela UNB, Prêmio Juca Pato (2020), entre outras premiações.

Sua escrita é transcrita das entrevistas e inúmeras conferências, mantendo, desta forma, a tradição da oralidade da cultura indígena. Obra literária única pela forma e preciosa pelo conteúdo. É o que o leitor vai encontrar na poética do livro Ideias para adiar o fim do mundo” (Companhia das Letras com posfácio de Eduardo Viveiros de Castro. São Paulo, 2019).

Como líder indigenista, participa da ONG Núcleo de Cultura Indígena. Homem de ação, pensa, fala com sabedoria e invejável qualidade poética ao se referir à Natureza. Vale a pena refletir conjuntamente: “Vocês pisam duro sobre a Terra e nós pisamos leve, bem leve”; “Somos mesmo uma humanidade? O resto dos recursos são coisas”.

A conclusão do livro é de uma sensibilidade singular: “Cantar, dançar e viver a experiência mágica de suspender o céu é comum em muitas tradições. Suspender o céu é ampliar o nosso horizonte; não o horizonte prospectivo, mas um existencial. É enriquecer as nossas subjetividades, que é a matéria que este tempo que nós vivemos quer consumir. Se existe uma ânsia por consumir a natureza, existe também uma por consumir subjetividades – as nossas subjetividades”.

Guatvao Krause foi ministro da Fazenda

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