Um retrato (possível) do futuro (por Eduardo Fernandez Silva)
Ninguém sabe exatamente como será o futuro, mas há várias tendências identificáveis. Beirute, parece, nos mostra um cenário provável
atualizado
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Centro cultural, financeiro, econômico, intelectual e turístico durante as primeiras seis décadas do século XX, o local, habitado há dezenas milhares de anos, entrou em parafuso a partir de 1975. Apesar de ocasionais retomadas, a crise persiste. Hoje, 80% da área é coberta por concreto e seus aproximadamente 2,5 milhões de habitantes vivem, como parece, será o futuro global: sem áreas verdes e com crescente incidência de doenças decorrentes da poluição do ar, enquanto alguns ficam milionários.
As crises que envolvem os cidadãos locais se manifestam na saúde, na habitação e noutras áreas, inclusive o abastecimento de energia. A precariedade deste, decorrente da baixa qualidade da governança, levou indivíduos a instalarem geradores a diesel (“farinha pouca meu pirão primeiro!”). Estimados 8.000 destas máquinas estão abastecendo empresas e residências locais, com a consequência de que a qualidade do ar degradou-se de tal forma que a incidência de câncer aumentou em 30%, e continua a crescer! Pacientes cada vez mais jovens estão sendo identificados. Assim será, mundialmente, à medida em que entram em operação os investimentos já aprovados para explorar e queimar petróleo, gás e carvão?
Entre os problemas enfrentados pelos pacientes com câncer, destaca-se há falta de dinheiro. Com alto desemprego e baixos salários, as pessoas se vêm colocadas diante da alternativa de alimentar a família ou adquirir os medicamentos necessários. Será assim mundialmente? Aliás, já é assim mundialmente, para a maioria da população, pois 80% vivem com menos de US$10,00/dia!
Na Líbia, os importadores de diesel exercem grande influência, como, no mundo, os extratores de petróleo! Assim, políticas públicas são desenhadas e implantadas para defender seus interesses, por mais que contrariem os interesses mais gerais. Em cinco anos, desde 2017, as importações de diesel para abastecer os geradores mais que duplicaram, em linha com os lucros e a incidência de câncer. Será assim globalmente?
Centenas de milhões de dólares em “ajuda” internacional foram enviados ao Líbano nos últimos anos, a serem aplicados em monitoramento da qualidade do ar, em limpeza urbana e noutros setores. Mas, em decorrência da má governança e conflitos por poder, falta de verbas e opções de restrição fiscal, o sistema de monitoramento da qualidade do ar ficou paralisado, e a coleta de lixo cada vez mais precária. Enquanto aumenta a geração de resíduos, devido à maiores consumo e desperdício, como ocorre globalmente, decai a capacidade de dispor corretamente desses subprodutos do consumismo. Como globalmente!
Um estudo estima que a poluição do ar custa ao país 2% do PIB, e que 2.700 pessoas morreram em 2019 devido à poluição do ar (sem contar a da água, do solo e outras). Proporcionalmente às populações, seria como se, no Brasil, tivessem ocorrido 113.000 mortes.
Até aqui, nada se disse sobre as crianças que ainda moram no Líbano, mas vale a pergunta: será assim globalmente?
Eduardo Fernandez Silva. Mestre em Economia Ex-Diretor da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados