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Um “Plano Real” da segurança pública (Por José Carlos Abissamra Filho)

Brasil segue sendo um dos países em que mais se morre por causas violentas intencionais

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Ainda que se deva comemorar a queda nos índices de homicídios em 2023, conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública recém-divulgado, o Brasil segue sendo um dos países em que mais se morre por causas violentas intencionais. Para mudar esse quadro, é fundamental a adoção de políticas públicas diferentes das que vêm sendo histórica e repetidamente propostas, sem sucesso, por autoridades, seja no Executivo ou no Legislativo.

A solução passa por uma mudança de paradigma na forma com que lidamos, enquanto sociedade, com julgamento e punição dos criminosos. O déficit de vagas em prisões, os altos custos do sistema prisional e a incompetência do sistema carcerário são temas que expõem a total falta de racionalidade nas discussões sobre os gastos com segurança pública no Brasil.

A redução do encarceramento, por meio da diminuição não de prisões em flagrante, mas de condenações desnecessárias, pode liberar recursos significativos para o aumento do efetivo policial.

Sabemos do desafio que é o convencimento da sociedade em relação a uma política nesse sentido, mas o que precisamos agora é de medidas sólidas e inovadoras, a exemplo do que foi feito no combate à inflação nos anos 1990. Precisamos de um “Plano Real” da segurança pública.

A partir de levantamento junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e ao Ministério da Justiça, verificamos um cenário preocupante, com um número significativo de mandados de prisão não cumpridos e uma sobrecarga no sistema judiciário.

No segundo semestre de 2023, a população prisional brasileira somava cerca de 896 mil indivíduos. Se incluirmos aqueles em prisão domiciliar, com ou sem monitoramento eletrônico, o total chega a 1,1 milhão. Mas esse contingente poderia beirar 1,5 milhão, já que os mandados de prisão não cumpridos ultrapassaram 331 mil no período. Por outro lado, o sistema penitenciário brasileiro tem capacidade para apenas 488 mil pessoas, ou seja, um terço da demanda.

Esses dados não são precisos, pois são colhidos de forma estática; trata-se de uma fotografia do sistema prisional em um determinado período, o que significa dizer que não conseguem capturar mudanças ocorridas depois de colhidos os dados. Mas dão uma boa ideia da realidade do nosso sistema.

A partir de uma análise macro, percebemos que o nosso sistema prende, julga e condena, mas não sabe o que fazer com a condenação. Como se vê, há, no Brasil, milhares de condenações aguardando cumprimento sem que o sistema consiga absorvê-las.

Por outro lado, embora não exista uma estimativa segura a respeito do custeio desse sistema, seja na fase policial ou durante o cumprimento da pena, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) estima o custo mensal de cada preso em presídios comuns em R$ 1.300,00. Numa soma simples, isso representaria R$ 837.610.800,00 mensais investidos somente na manutenção dessas pessoas em unidades prisionais.

A título de ilustração, enquanto o nosso sistema carcerário consome algo como R$ 1 bilhão por mês, somente com os custos de manutenção das unidades prisionais, estamos discutindo cortes em áreas prioritárias, como saúde e educação, para que possamos cumprir com o novo arcabouço fiscal do governo. Ou seja, enquanto gastamos mal, de um lado, temos dificuldade de encontrar fontes de recursos para quem mais precisa, de outro.

Se não houver uma mudança na forma como aplicamos penas no âmbito criminal, seguiremos gastando mal nossos recursos e, pior, dificilmente reduziremos a criminalidade a níveis mais civilizados.

Nesse cenário, devemos discutir dispositivos que tornem nosso sistema mais eficaz. Como demonstrado, isso invariavelmente passa por uma redução no apetite encarcerador de nosso estado.

Pensar em formas mais racionais de lidar com a resposta penal garantiria mais recursos para a prevenção e investigação de crimes, uma vez que liberaria a Justiça de gastos com o julgamento de pessoas que representem menor risco para a sociedade e baixo potencial de reincidência.

 Vale mencionar que o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, tem buscado isso com as execuções fiscais. Por que não adotar a mesma lógica com o sistema penal?

A solução para enfrentar essa realidade passa por diminuir o número de condenações e aumentar, em sentido oposto, tanto o policiamento ostensivo, quanto, e principalmente, o investigativo. Embora pareça complexo, isso pode ser feito via alteração legislativa no código penal.

Precisamos implementar um mecanismo para que o Juiz, ao proferir sentença, avalie a presença da necessidade preventiva da pena. E, se não constatar essa necessidade, deverá extinguir a causa sem julgamento de mérito, por perda de interesse de agir no exercício do ius puniendi.

Como fizemos contra a hiperinflação, somente racionalidade e políticas públicas baseadas em evidências poderão estancar o nosso absoluto descontrole sobre os índices de criminalidade. Os ingredientes são novos, mas a receita é a mesma.

José Carlos Abissamra Filho é advogado criminalista e presidente da Comissão Especial de Advocacia Criminal da OAB/SP; é Doutor e Mestre pela PUCSP e autor de, entre outros, Política Pública Criminal – Um Modelo de Aferição da Idoneidade da Incidência Penal e dos Institutos Jurídicos Criminais, editado pela Juruá Editora. Artigo transcrito do Le Monde Diplomatique Brasil (https://diplomatique.org.br/

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