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Um país que um dia teve um futuro (por Roberto Brant)

Durante os anos 40 e 50 do século XX o Brasil crescia rapidamente, mais do que o resto do mundo, e ao mesmo tempo se urbanizava

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Mário Fontenelle/Arquivo Público do DF
Imagem construcao de brasilia Mário Fontenelle
1 de 1 Imagem construcao de brasilia Mário Fontenelle - Foto: Mário Fontenelle/Arquivo Público do DF

Tive a sorte de pertencer a uma geração de brasileiros que tinha muitos motivos para se sentir feliz com o seu país, mas  contemplo hoje uma nova geração que tem muitas razões para o desânimo e o cinismo. Para quem nasceu e vive na periferia do mundo desenvolvido a única maneira de  estar contente com a vida é a esperança de progresso e de um futuro melhor. Foi esta a experiência vivida pelos que, como eu, cresceram nos anos 50 do século passado. Nós tínhamos um futuro.

Durante os anos 40 e 50 do século XX o Brasil crescia rapidamente, mais do que o resto do mundo, e ao mesmo tempo se urbanizava e se industrializava, dando a todos a impressão de que não haveria limite para o  desenvolvimento. Vivíamos cada dia com a convicção, quase a certeza, de que os amanhãs seriam cada dia melhores. Na política quem encarnou este estado de espírito e esta confiança foi  Juscelino, desde seus tempos de prefeito revolucionário de Belo Horizonte até a Presidência da República. Os anos JK não são um mito nem uma simplificação histórica, eles existiram de fato, mesmo  admitindo-se que  processos históricos são experiências complexas.

Refletindo sobre Juscelino penso que dois traços de sua personalidade foram decisivos para o papel que ele desempenhou. Um traço era sua fixação no futuro, um olhar sempre fixado no mais longe horizonte, que lhe permitia transpor as armadilhas do presente e o peso do passado, sem vacilações ou dúvidas. O outro, igualmente poderoso e transformador, era a disposição fraterna e pacífica do seu espírito, que não alimentava ódios ou ressentimentos e esfriava a oposição num ambiente da mais ampla liberdade. Na política absorvia todos os golpes, até os mais extremos ,  e estava sempre pronto para o perdão. Não há exemplo similar em nossa história republicana, em que a regra é o conflito e a retaliação.

Apesar desta lembrança do passado, sei muito bem que a nostalgia não resolve problemas nem muda as coisas na vida real. A história é para a frente que anda, mesmo quando parece retroceder. A principal herança dos anos JK não é certamente o apelo à saudade, mas a insistência em olhar sempre para a frente e para o futuro. Pensando exatamente no futuro, o que se pode dizer da política brasileira neste momento?

Raras vezes o Brasil terá vivido um tempo tão difícil e amargo como o que estamos vivendo hoje. Parecemos condenados à pobreza, mesmo cercados de todas as riquezas. Dados oficiais nos dão conta que cresceu o número de brasileiros vivendo na pobreza absoluta. Quase  30 milhões de pessoas vivem com fome, enquanto somos a terceira potência agrícola do mundo. O centro das grandes cidades, mesmo das mais ricas, está tomado por milhares de pessoas sem teto, vivendo em barracas e da caridade alheia. Mais de 90% dos brasileiros vive em situação econômica precária e sem muitas expectativas para si e para os seus filhos. Tudo isto poderia ser visto com algum conformismo se fôssemos um país pobre, privado de tudo. No entanto, somos um país rico e cheio de todos os recursos.

A política, com seu gosto pela manipulação da realidade, procura confundir a natureza da nossa crise. Ela não é obra do governo de hoje, mas dele e de governos anteriores e, até mais do que deles, das nossas instituições políticas que não funcionam mais em benefício da população e que tornaram o Estado a propriedade privada de grupos políticos e de interesses privados a eles associados. A agenda da política não trata do futuro dos brasileiros.

A democracia brasileira sobrevive hoje, à semelhança do que observou a filósofa Hannah Arendt num outro contexto, graças à silenciosa tolerância e aprovação dos setores indiferentes e desarticulados do povo, tanto quanto das instituições articuladas e visíveis do país. Quando este silêncio se romper veremos que a maioria absoluta da população não se sente representada pelos partidos políticos nem pelo Parlamento. Neste momento nada mais estará em segurança.

Nossos líderes mais influentes e mais populares parecem passageiros indiferentes nesta marcha da insensatez.

 

Roberto Brant é ex-ministro da Previdência Social e escreve no Capital Político

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