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Um governo perdido (Por Paulo Delgado)

A raiva e o deboche são infrutíferos: quem não quis quando podia não vai ter quando quiser

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1 de 1 dinheiro grafico – Um real 1 – Moeda – Economia – Inflação – Queda – Bolsa de Valores - Foto: Michael Melo/Metrópoles

Se as perspectivas econômicas internacionais são pouco favoráveis no curto prazo, as brasileiras são um desastre a curto, médio e longo prazo. Não adianta mais recorrer a testes de estresse para tentar fazer projeções e fugir do buraco.

Basta olhar os fatos políticos, econômicos e sociais para deduzir os argumentos. A inflação continua bastante alta, o índice de preços ao consumidor subindo sem parar com aumento generalizado em todos os setores. O custo do trabalho é crônico e preocupante, o desemprego não arrefece mesmo com a pequena e lenta melhora das condições sanitárias.

Juros altos, taxa de câmbio, aumento do combustível e da energia devem manter a inflação elevada até o final do ano. A carestia mostra a cara desaparecendo com a noção de preços relativos. A indústria produz menos, a taxa de crescimento da economia não sustenta nenhuma recuperação na dimensão necessária.

A deterioração do ambiente econômico se mantém com a derrubada do PIB e a subida da inflação para 2021 e 2022. Único ponto positivo são as perspectivas para o setor agrícola, que poderão se confirmar se decidir apoiar a produção sustentável, o selo verde e a nova mentalidade mundial em relação ao meio ambiente.

O fato

O presidente nunca mudou e não deve ser criticado por incoerência, mas por não ser coerente o bastante como prometeu. Sua comunicação pessoal do tipo “cólera sem receio” faz o estilo conhecido da irresponsabilidade vai e vem do populismo e conta com a astenia, a falta de força da sociedade para contestá-lo. Sua manha não é astúcia original.

Tatear, confrontar e recuar, sempre mirando setores específicos do eleitorado cativo é a pior marca do político brasileiro no poder. Tal atitude contaminou sua gestão de retórica eleitoral permanente e a estendeu ao parlamento.

A maré favorável ao demagogo não é novidade. Somente agrava um costume dos governos Lula-Dilma, que se consolida como verdadeiro modelo político, a comprometer a estabilidade e os fundamentos econômicos de longo prazo.

São tantos anos dessa prática que temos hoje um eleitoralismo permanente de Estado. Partidos políticos se converteram em verdadeiras autarquias estatais presas a fundos públicos milionários que subjugam o compromisso com os anseios da população. Isso pode ampliar a perigosa janela de desilusão do cidadão comum com a política.

São partidos e bancadas alienados da vida real e suas decisões servem mais aos seus mandatos que ao país. Como deseducadores coletivos não podemos nos espelhar na sua história.

O conflito do sistema

A crise política e sua volatilidade é fruto da competição desregrada entre o Presidencialismo pessoal, o Federalismo dos Estados membros e o Parlamentarismo irresponsável. A autonomia do parlamento tirou a prerrogativa do Executivo em relação à execução orçamentária na Câmara e ao diálogo com os governadores no Senado.

A retórica eleitoral presidencial e legislativa é da mesma natureza, mas o Senado tem demonstrado maior dose de maturidade. O controle autônomo das emendas de despesa, através do orçamento impositivo e do orçamento do presidente da Câmara, chamado secreto, é um verdadeiro “sistema”, montado desde os anos 2000 para sustentar governos em crise e baseado no aumento vertiginoso dos valores das emendas parlamentares.

Com um presidente experiente em relação aos desejos e demandas dos colegas da Câmara surgiu uma simbiose entre Congresso e Executivo que deteriora o cenário político brasileiro. Os benefícios recíprocos entre os dois poderes podem levar a outro escândalo do Orçamento como já tivemos nos anos 1990 e 2000. O tratamento dado ao Bolsa Família (ou Brasil) é só um bode expiatório.

Um grande exemplo do caráter secundário dado à desigualdade: pilotado por prefeitos, vereadores, deputados e senadores a lista dos ungidos aumenta ou diminui por critérios também subjetivos.

Sem capacidade operacional e inteligência emocional na gestão estatal desde o início, a equipe econômica enfrenta a pressão por rompimento dos compromissos fiscais, com desrespeito ao pagamento de precatórios e violação do teto de gastos.

Não adianta reclamar quem nunca se deu conta de que está tocando a fazenda pública de forma burocrática e na direção de mais concentração de renda e manutenção da pobreza.

Não há estudos sobre o alcance da regra e do papel dos benefícios sociais, nem qualquer discussão relevante sobre resultados de políticas públicas, nem de custo-benefício para o destinatário final, como estratégia de desenvolvimento e de melhoria estável das condições de vida.

O horizonte do Executivo e do Parlamento é o ganho eleitoral em 2022. Por isso a ênfase na troca de nome do programa de Bolsa Família para Brasil. A mesma razão que fez o governo Lula trocar Bolsa Escola por Fome Zero na campanha e Bolsa Família no mandato. São programas sazonais de governo, infrutíferos à longo prazo.

Pecado original

A reforma ministerial já ocupa um lugar de destaque entre os despropósitos brasileiros decisivos para nosso fracasso como gestores públicos.  A improvisação a que chegamos tem o nome do ministro e seu universo de falsos problemas.

O economicismo teórico de Paulo Guedes e sua pulsão política mal informada, produziu a inepta concentração ministerial, que extinguiu o Ministério do Planejamento e desaparelhou o Estado para exercer melhor sua função de médio e longo prazos.

Ao tentar escapar da dominação paternalista do Estado se valeu das categorias de pensamento de um liberalismo antissocial, fora do lugar e fora de moda. E ao atribuir aos Ministérios da Área Social – Trabalho, Cidadania, Cultura, Educação e Saúde – o papel pejorativo de ministérios gastadores, necessitando de tutela, foi facilmente dominado pela realidade desigual e injusta brasileira que alimenta a maioria dos mandatos parlamentares no país.

A exaltação da competência técnica como engajamento real e moralmente superior ao engajamento político, foi um álibi da equipe econômica para tomar posição política sem parecer se interessar pela política. Não deu outra: está submetido a dupla dominação – do aparato técnico antipolítico e do mundo político anticientífico.

Inexperiente e autossuficiente não se deu conta de que não se deve pretender acertar agindo fora da realidade, querendo transformar problema político em problema técnico.

Fuga de capitais

A perda de relevância na alocação de capital estrangeiro hoje, a baixa proporção que o Brasil tem na composição dos índices de mercado, crédito e participação acionária mundial são consequência da má gestão da Economia.

A pouca atração de capital, o fato de nenhum grande banco de investimento operar no país, juros altos e câmbio desvalorizado e a perda de confiança na política governamental é que torna relevante o episódio da autoridade ter investimentos privados fora da costa – offshore. Nem o Ministro investe no país. É como cozinhar e comer fora. Inaceitável, senhores!

Os tanqueiros

A discussão sobre os impostos de combustíveis visa a desviar o foco da gestão atual da Petrobrás e da carestia geral e traduz a verdadeira guerra travada no governo entre União e Estados.

Ao contrário do mote que elegeu o atual presidente com o “menos Brasília, mais Brasil”, temos hoje muito mais Brasília. O governo teme a força mobilizadora dos tanqueiros, transportadores autônomos de combustível, o setor mais organizado e influente da categoria dos caminhoneiros.

Terceira via

Pesquisa sobre como o brasileiro se informa exibe o fôlego do presidente e os limites da oposição: quem tem na televisão sua fonte revela uma visão mais negativa do presidente Bolsonaro do que aquele que busca seu insumo via Internet. A diferença é significativa, porque consolida a força da retórica governista em redes.

O ex-presidente Lula começa a usar mais as redes para tentar neutralizar essa vantagem. A chamada “terceira via” está longe de atingir bons números nas mídias eletrônicas. Ainda é uma hipótese, mas seu campo de manobra tende a crescer após as decisões de fusão do DEM-PSL, a prévia do PSDB, a filiação do presidente do Senado ao PSD e a entrada de Moro na disputa.

As eleições ainda estão indefinidas com o ex-presidente Lula economizando sinais claros de ser um candidato para valer. Parece fazer uma cruzada-teste para medir os benefícios do recall a seu favor: se prevalecerá a memória positiva ou a negativa de sua biografia política.

O presidente Bolsonaro continua lançando balões de ensaio sem levar quase nada até o final, acumulando cada vez mais ônus na economia. As outras opções só terão chance se unidas e capazes de pôr o dedo na ferida enfrentado o tabu.

Um novo campo só se justifica como “extra-ideologia” capaz de composição “anti-extremos”, um centro clássico em torno de um candidato moderado de fala sincera e agradável. Quanto mais candidatos existirem na via larga, que é a multipartidária e pluralista, mais se consolidará o cenário de duas ruas sem saída, já plenamente conhecidas e habitadas por dois inusitados “paz e amor”.

Paulo Delgado é sociólogo e professor; https://capitalpolitico.com/

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