Um governo dentro do governo (Por André Gustavo Stumpf)
Bolsonaro & Filhos. A assessoria dos meninos destacou que a pandemia iria passar em curto prazo, erraram feio
atualizado
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Há algum tempo me refiro ao atual governo brasileiro como o grupo Bolsonaro & Filhos. Alguns estranham, outros criticam essa maneira de me referir ao poder executivo no país, mas a Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid conseguiu comprovar o que já era objeto de alguma desconfiança.
Existe um governo dentro do governo. É o conjunto de filhos e amigos dos filhos que informam, negociam e falam em nome do patriarca. O grupo se fez presente no Itamaraty, por intermédio de Ernesto Araújo, que verbalizou as decisões da turma, apoiadas pelo então presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, Eduardo Bolsonaro.
No caso da saúde o problema foi ideológico. O então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, queria conter os avanços da China no comércio internacional. O norte-americano bloqueou o acesso de empresas chinesas ao mercado interno deles. O governo brasileiro caminhou para adotar a mesma medida.
Bolsonaro ameaçou sair do Acordo de Paris, sobre meio ambiente, a exemplo do que os norte-americanos fizeram. Enfrentou os líderes europeus. Chegou a ser grosseiro com o presidente francês. E liberou seu ministro do Meio Ambiente para defender o desmatamento, utilização comercial de áreas indígenas y otras cositas más.
Trump não reconheceu o perigo da covid no primeiro momento. Desprezou o problema e tentou manter o país funcionando apesar das muitas evidências em contrário. Foi um desastre tão grande que perdeu a reeleição.
Estrebuchou, esperneou, reclamou, mas teve que sair da presidência. Protagonizou o episódio vergonhoso da invasão do Capitólio, o congresso norte-americano. Nos últimos dias de mandato, vacinou-se escondido. Bolsonaro perdeu muito com a derrota de Trump. No primeiro momento, ele tentou contornar a pandemia. Chamou de “gripezinha”.
Para provocar irritação no grupo Bolsonaro & Filhos o vírus surgiu na China e as primeiras vacinas foram criadas também naquele país. E, por ironia, no Brasil, foram reproduzidas pelo Butantã, do governo do estado de São Paulo, cujo chefe é João Dória, um dos principais candidatos a impedir a reeleição de Bolsonaro.
O presidente é muito agradecido a seu filho Carlos, o Carluxo, que o conduziu à vitória na eleição presidencial a custo muito baixo e com pouquíssimo tempo na televisão. Carlos é uma espécie de guru na área de comunicação. O Palácio do Planalto jamais conseguiu organizar a Secretaria de Comunicação, neste governo.
Ninguém se manteve naquele setor, porque Carluxo é quem dá ordens ali. Houve até o caso de um jornalista convidado ser demitido uma semana depois. Fábio Wajngarten conseguiu ficar no cargo por um bom tempo porque é amigo da turma.
Canalizou verbas oficiais para blogs que apoiam o governo e desprezou solenemente a grande imprensa. Quebrou as agências de publicidade que se instalaram em Brasília e afetou as finanças dos jornais brasileiros. Seu trabalho produziu a péssima imagem que o presidente Bolsonaro desfruta dentro e fora do país.
Carluxo soube vencer a eleição, mas não demonstrou ter conhecimentos suficientes para a arte de governar. Neste quesito entram os dois outros filhos, um senador, outro deputado. Este queria ser embaixador do Brasil nos Estados Unidos. O grupo indica pessoas para assumir cargos específicos na administração do pai.
Bolsonaro não tem quadros. É o caso do novo ministro de Relações Exteriores, que era o chefe do cerimonial do Palácio do Planalto. Amigo dos meninos. Além das escolhas dos filhos, ele trabalha com militares, que cumprem ordens. O melhor exemplo é Eduardo Pazuello, general da ativa, três estrelas, que assumiu o Ministério da Saúde sem saber que existia o Sistema Único de Saúde.
Ele militarizou suas ações e construiu o desastre, sempre orientado pelo grupo de amigos dos filhos que decidiram não comprar as vacinas da China e do Dória e evitar tratar da pandemia. O melhor caminho seria a imunização de rebanho, mesmo porque, segundo eles, a pandemia seria vencida em questão de meses.
A CPI chegou ao ponto central. A Pfizer tentou vender suas vacinas ao governo brasileiro sete vezes a partir de maio do ano passado. O pequeno grupo de jovens, todos eles olavistas, negacionistas e terraplanistas entenderam que aquilo era jogar dinheiro fora. E o presidente, diante de explicações técnicas densas e profundas, preferiu ficar com a versão mais simplória, menos sofisticada e mais rasa.
A assessoria dos meninos destacou que a pandemia iria passar em curto prazo e que mais importante seria recuperar a economia para garantir a reeleição. A opção pela solução mais simples colocou em risco seus dois principais objetivos.
André Gustavo Stumpf escreve em https://capitalpolitico.com/