Ulysses e Pastore: Apertem os cintos, a sociedade sumiu (Vitor Hugo)
A vital necessidade da mobilização social – na campanha eleitoral , em torno de prioridades nacionais
atualizado
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Mal (ou bem?) comparando, assemelha-se à comédia nonsense “Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu”, – sucesso mundial de bilheteria dos Anos 80-, a atitude inesperada do economista Affonso Celso Pastore, ante a brusca retirada da candidatura do ex-juiz da Lava Jato, Sérgio Moro, à presidência da República, pelo centro democrático ou Terceira Via. Em entrevista ao jornal Estado de S. Paulo, o ex-presidente do Banco Central disponibilizou “a quem tiver interesse em discutir idéias”, o documento por ele elaborado para a campanha do ex-magistrado. Olhando melhor, no momento político que o país atravessa, lembra também o ex-presidente da Câmara, Ulysses Guimarães, guia maior da resistência democrática, ao apelar, em seu tempo , pela mobilização e participação da sociedade nos debates e lutas sobre os rumos e o destino erráticos do país na ditadura. Em atos e fatos históricos e discursos memoráveis, conclamava Ulysses: “Todos os nossos problemas procedem da injustiça. O privilégio foi o estigma deixado pelas circunstâncias do povoamento e da colonização, e de sua perversidade não nos livraremos, sem a mobilização da consciência nacional”.
Décadas depois, nesta tempestuosa semana de abril, de choques e provocações políticas e institucionais, Pastore fala, no Estadão, sobre a vital necessidade da mobilização social – na campanha eleitoral , em torno de prioridades nacionais: combate à inflação, à violência, ao empobrecimento de faixas cada vez maiores de brasileiros, das desigualdades, defesa do meio ambiente e questões de princípios. À exemplo de outro lema caro ao Senhor Constituição de 1988: “não roubar, não deixar roubar e botar na cadeia quem roube”.
O ex-presidente do BC acrescentou: o documento “Desenvolvimento inclusivo, sustentável e ético”, com propostas econômicas que elaborou para a campanha do ex-ministro da Justiça, está agora “à disposição de quem quiser discutir projetos e ideias” , algo essencial em uma disputa política e eleitoral com tendência à polarização em torno do surrado binômio “direita” (Bolsonaro) x “esquerda” (Lula).
Na conversa jornalística, o professor de Economia da USP e da FGV, condutor do BC entre 1983 e 1985, (final da ditadura) afirmou que a sociedade mobilizada moverá e influenciará os políticos. Hoje, segundo Pastore, temos, infelizmente, um orçamento do governo capturado pelo Centrão, “e está todo mundo olhando isso e assobiando”. Diante deste quadro, “ou a sociedade se mobiliza ou ela vai ficar a reboque da polarização”, .
Em outro ponto, da entrevista, Pastore aponta as duas posições possíveis: A primeira seria apostar no cavalo vencedor. “A segunda é a sociedade civil descobrir que, nesses dois extremos, o País está empacado. Se a sociedade quiser viver num país civilizado, que melhore a distribuição de renda e cresça, ela tem de influenciar os políticos”.
No vôo cego e sem piloto – quando se prega e se pratica a desmobilização e o calar a voz da sociedade – somado ao esquecimento por 5, 50 ou 100 anos, de sujeira e graves suspeitas atuais, postas debaixo do tapete do poder – recorramos à Ulysses, timoneiro de passadas travessias: “Não é exclusivamente na Dinamarca, em qualquer reino sempre há algo de podre. Rematada insânia tornar impublicáveis lacunas, faltas, ou crimes, pois contamina de responsabilidade o governante que a tolera”. Que a sociedade apareça e cobre.
Vitor Hugo Soares é jornalista, editor do site blog Bahia em Pauta. E-mail: vitors.h.@uol.com.br