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Tudo por dinheiro (por Mary Zaidan) 

Somar doações privadas ao financiamento público para campanhas piora o que já é muito ruim

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Dez anos depois de banir as doações de empresas e de torrar só neste ano quase R$ 5 bilhões do pagador de impostos para financiar campanhas eleitorais, os políticos preparam um mix de custeio público e privado para turbinar as candidaturas – que já valeria para 2026. Como nem de longe partidos políticos pensam em andar com suas próprias pernas, sustentados por seus apoiadores, tramam a combinação diabólica do ruim com o muito pior.

A proposta do líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), veio à luz dois dias depois de encerrado o primeiro turno das eleições municipais. Rapidamente teve endosso de líderes no Parlamento, de donos de partidos políticos e, pasmem, até ministros do Supremo Tribunal Federal, que em 2015 proibiu o financiamento empresarial ao analisar uma ação impetrada pela OAB cinco anos antes.

Vale recuperar a história. Da redemocratização até 2014, as campanhas eleitorais eram custeadas por doações de empresas privadas a partidos políticos e diretamente aos candidatos. A prestação de contas sempre foi confusa, porque os partidos declaravam ao TSE o recebimento das doações, mas não precisavam identificar para quais candidatos o dinheiro era remetido. Isso até mudou com uma normativa do Tribunal, mas só no último ano em que o financiamento empresarial valeu.

Os grandes doadores distribuiam o quinhão entre todos os concorrentes, com percentuais maiores para os que tinham mais chances de vencer e, assim, poder quitar a conta. De acordo com relatórios do Transparência Brasil feitos à época, em 2014 a JBS dos irmãos Batista doou mais para a então candidata Dilma Rousseff (PT) do que para o desafiante Aécio Neves (PSDB), e ajudou a eleger sete governadores, sete senadores, 40 deputados federais e 19 estaduais de diferentes partidos. Dados compilados em 2022 pelo Poder360 apontam que no total a JBS doou R$ 362 milhões em 2014. A generosidade se estendeu pelas empreiteiras: OAS, R$ 83 milhões, Queiróz Galvão, R$ 57 milhões, UTC Engenharia, R$ 53 milhões, e Odebrecht, R$ 48 milhões. Na casa dos R$ 40 milhões, o Bradesco e o BTG Pactual.

A condenação às doações de empresas começou no Mensalão e explodiu no escândalo da Petrobras. “Não há almoço de graça”, disse o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras e delator Paulo Roberto Costa em depoimento na CPI da petroleira, em 2015, ao criticar a hipocrisia dos políticos que recebiam doações eleitorais de empresas. “Se ele (empresário) doa R$ 5 milhões vai querer recuperar na frente R$ 20 milhões”, ensinou.

A grita contra o escambo entre empresas e candidatos foi tamanha que, mesmo contrariados, os políticos se viram  obrigados a acabar com o financiamento eleitoral privado. Primeiro o Congresso proibiu, dias depois arrependeu-se de ter proibido e, por fim, antes de Dilma Rousseff vetar o arrependimento, o STF baniu de vez a doação de empresas privadas para as campanhas.

Dois anos depois, em 2016, as eleições municipais foram franciscanas. Sem recursos empresariais ou públicos, foram financiadas por doações de pessoas físicas, que podem comprometer no máximo até 5% da renda do ano anterior. E deram certo.

O modelo poderia ter sido mantido. Mas, com políticos desacostumados com pouco dinheiro, celeremente o Congresso tratou de criar o financiamento público eleitoral, com recursos orçamentários garantidos.

Com o argumento de financiar a democracia, o fundo para campanhas eleitorais estreou em 2018, com R$ 1,7 bilhão, saltando para R$ 2 bilhões em 2020. Em 2022, bateu em acachapantes R$ 4.96 bilhões, valor que se repetiu neste ano. Mas, pelo jeito, os chefes de partidos acham pouco.

Os que defendem a volta das doações empresariais dizem que o custeio público continua tendo resistência popular e não conseguiu inibir o caixa 2 – neste ano foram apreendidos mais de R$ 21 milhões em espécie e há indicativos de outros R$ 50 milhões utilizados por baixo do pano. Os que são contra afirmam que o privado escancara portas para a corrupção. Nada dizem sobre o fato de um país com um terço de pobres aplicar R$ 5 bi em campanha política. Muito menos da injustiça de o eleitor pagar com seus impostos o financiamento de candidatos que ele rejeita. Randolfe se defende: diz que a forma híbrida reduziria o gasto público.

Puxa daqui, tira dali, a nova fórmula é péssima. Vai juntar dinheiro privado e público, aumentar ainda mais a bufunfa eleitoral, manter ou ampliar vícios. Os dois sistemas têm mais contras do que prós. Só funcionariam a partir de normas e fiscalização rigorosas que o país não tem e não quer ter. E quando tem, perde o efeito em anistias. A última delas, aprovada há pouco, perdoou todas as dívidas e multas eleitorais e anulou os efeitos dos crimes de caixa 2.

Ninguém quer aprimorar nada, só engordar os bolsos e perpetuar o coronelismo partidário. Para os chefões políticos, a combinação das duas fórmulas é o paraíso. Com financiamento assegurado pelos impostos dos cidadãos somado ao das empresas eles podem continuar na boa vida, sem fazer esforço algum para angariar simpatizantes para as suas siglas e arrecadar fundos de quem nelas acredita. Assim, multiplica-se o dinheiro fácil que entorta a democracia.

 

Mary Zaidan é jornalista 

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