Transferências sociais são ponto de partida para projetos políticos
Politicamente, é impossível voltar atrás nesse fluxo de transferência
atualizado
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Por Leonardo Barreto
Em um país com histórico imenso de miséria e desigualdade de renda, é herético perguntar se o volume de recursos transferidos para a base da pirâmide está excessivo. Tanto a esquerda quanto a direita irão considerar os fluxos redistributivos atuais como fato dado e cogitar suas estratégias a partir daí.
E qual é esse patamar? Um trabalho produzido pelo site Poder 360 estimou que o custo da política de bem-estar social gira em torno de R$ 327 bilhões. Cerca de 44% dos brasileiros estão no Cadastro Social Único (94 milhões) e 1 em cada 4 brasileiros está no Bolsa Família.
Os valores e os números de beneficiários tiveram aumentos exponenciais em dois momentos: na pandemia da COVID e nas eleições de 2022, em uma tentativa de Jair Bolsonaro de buscar votos na base de eleitores de Lula. Desde então, o petista tem fortalecido as políticas de transferência, um aumento de 24% apenas neste ano. Uma família de até cinco pessoas pode chegar a ganhar por mês, somando outros benefícios estaduais e municipais, até R$ 1.763,50 por mês, o que daria para comprar pouco mais de duas cestas básicas.
Chama atenção que em 12 dos 27 estados há mais beneficiários do Bolsa Família do que trabalhadores com carteira assinada. Além do impacto fiscal, o efeito sobre o mercado de trabalho é o que mais preocupa porque pessoas em idade ativa podem estar deixando de procurar emprego. Esse contingente da população cresceu 4,2% desde 2019, mas a força aumentou apenas 1,8%. Além disso, subiu o percentual de benefícios pagos no total da renda familiar em comparação com recursos vindos do trabalho.
Uma pergunta, portanto, é se as políticas sociais podem levar, no futuro, a um apagão no mercado de trabalho, com falta de mão de obra. Outra preocupação é a sustentabilidade fiscal do fluxo redistributivo. Segundo alertou a jornalista Adriana Fernandes, o próprio governo admite que a dívida bruta deve atingir 81% do PIB já em 2026.
Politicamente, é impossível voltar atrás nesse fluxo de transferência. Qualquer candidato que sugira um movimento nesse sentido tende a perder eleitores e a não ter sustentação no Congresso. Considerando que este é um fato dado, é preciso entender quais escolhas o país tem pela frente.
Para isso, é útil olhar pelo menos uma consequência desse estado de coisas. A manutenção deste estado mínimo de segurança social, sem sustentabilidade fiscal, faz da classe média a sua primeira vítima. Por exemplo, dados recentes de venda de imóveis mostram que os lançamentos estão se concentrando no padrão de alto luxo ou nos de interesse popular, que contam com subsídios do governo. Compradores dos estratos médios já estão pagando pelos juros mais altos que essa situação implica.
Mas, de novo, considerando que esta situação está dada, é possível que esquerda e direita sigam a partir daqui. Os primeiros podem sugerir aumentar o fluxo de recursos atual para os mais pobres, mas reduzir a prestação estatal de serviços para conseguir a sustentabilidade fiscal. O segundo pode investir em um discurso de classe “puro sangue” e tentar aumentar os impostos do mais ricos e das classes médias para fazer a compensação, contraindo muita briga política.
As próximas eleições que precisarem fazer a tradução desse dilema provavelmente buscarão uma solução entre esses dois polos.
Leonardo Barreto, doutor em Ciência Política (UnB) e consultor independente (Instagram: @leobarretobsb)