Tão perto e tão longe (por Mary Zaidan)
Sistema que privilegia a distância entre eleitores e eleitos pode explicar o desinteresse das pessoas pelas disputas municipais
atualizado
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A 62 dias das eleições municipais as urnas ainda não estão no radar do eleitor. Pelo menos nas grandes cidades – que concentram mais de 40% dos 155 milhões de brasileiros habilitados a votar. Culpa de um sistema eleitoral caquético e deformado, que privilegia os políticos e não os cidadãos.
Pesquisa Datafolha realizada há menos de um mês registrou que, sem mostrar uma cartela de opções, 55% dos paulistanos não sabiam apontar um candidato a prefeito de sua preferência. No Rio, foram 53%, e em Belo Horizonte, incríveis 73%.
Há dezenas de fatores capazes de explicar esse desconhecimento ou apatia. O preferido de muitos analistas – e certamente correto – tem a ver com a nacionalização do debate, polarizado entre lulistas versus bolsonaristas, distante, portanto, do universo municipal. Um embate que não teria qualquer lógica no sistema distrital, no qual fala mais alto a cobrança por esgoto, asfalto, policiamento, escola, posto de saúde e outras necessidades específicas de uma determinada localidade.
Não é preciso inteligência nem mesmo muito raciocínio para entender por que as eleições para prefeito e vereador em cidades menores são mais envolventes. Tratam-se de municípios que funcionam como distritos eleitorais. Neles, a maioria dos eleitores conhece os candidatos, sabe sua história, suas virtudes e seus podres.
Mas para a maior parte dos políticos esse modelo distrital, dominante nas democracias mais sólidas do mundo, causa arrepios. Ele cria travas quase insuperáveis para as dinastias familiares tão usuais Brasil afora – vide os Bolsonaros, que ora lançam candidatos no Rio, mudam para São Paulo e agora em Camboriú, ou os Sarneys, que ocuparam o Maranhão e o Amapá – e exige respostas e cumplicidade do representante com o distrito que o elegeu. Impensável em um país onde os partidos privilegiam a política familiar ou a escolha por um líder de audiência entre pastores, influencers ou comunicadores, preferencialmente endinheirados, capazes de garantir um número maior de vagas para a legenda.
Mas se o sistema eleitoral exclusivamente proporcional já deixa a desejar, o que está por vir pode piorar o que já é ruim. Nesta semana, o Congresso Nacional retorna do recesso alardeando que tentará votar pautas de peso para o país, como a segunda etapa da regulamentação da reforma tributária, e outras recheadas de polêmicas, como a autonomia administrativa e financeira do Banco Central e a liberação definitiva dos jogos de azar.
Mas o foco real talvez seja outro: mudanças na legislação eleitoral. A prioridade é a votação, pelo Senado, da infame PEC da anistia aprovada pela Câmara dos Deputados pouco antes do recesso. Nela, prevê-se perdão total para dívidas passadas e até futuras para partidos que desrespeitaram a lei de cotas, não honraram o pagamento de multas por improbidade e até por caixa 2. O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) disse que não aceleraria o trâmite da matéria, mas são favas contadas que até o final do mês a desfaçatez estará concluída, com aprovação quase unânime do governo e da oposição, tal qual se viu na Câmara.
Correndo por fora, mas com a simpatia absoluta de Pacheco, está a proposta do fim da reeleição, que deve ser aprovada, e a horrenda ideia de unificação das eleições para presidente, senadores, governadores, deputados federais, estaduais, prefeitos e vereadores. Uma insanidade.
Sob o argumento de simplificação e economia, a junção das datas eleitorais será fatal. Enterrará de vez o pouco que resta de protagonismo das eleições municipais. Elas serão relegadas a terceiro plano, enquanto no dia a dia das pessoas a administração das cidades deveria estar em primeiro. Hoje, a eleição presidencial já ofusca o debate dos candidatos a governador, deputados estaduais e federais. Se aprovada a unificação, candidatos a prefeitos e à vereança simplesmente sumiriam.
Este parece ser o plano. É sempre mais fácil manter o poder de cima para baixo. Daí a unificação de eleições e o rechaço ao voto distrital. Empoderar (detesto esse termo) eleitos mais próximos do eleitor ameaça a preservação de um sistema que só serve aos políticos – e enterra o país. Nele, quem ganha votos faz o que bem entende e finge representar eleitores que não são representados pelo vitorioso.
Mary Zaidan é jornalista