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Sua excelência, as emendas parlamentares (por Gustavo Krause)

Nas 178 cidades que mais receberam emendas Pix, segundo dados da Controladoria-Geral da União, a taxa de reeleição foi de 89,3%.

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Ouvi, repetidas vezes, o solene e presunçoso clichê: “esta será uma eleição atípica”. Óbvio, toda eleição é atípica porque ocorre sob circunstâncias, conjunturas e permanentes mudanças, em especial, nos meios de comunicação. Simplesmente impensável que o ambiente, mesmo intolerante, culminasse com o uso de uma “cadeira” como argumento, em debate, de um candidato “coach”, com milhões de fiéis seguidores/eleitores.

É recorrente a afirmação de que terminada uma eleição começa outra e, só que, desta feita, são duas eleições: uma, coloca em disputa a Presidência da Câmara e do Senado cujo resultado interfere no manejo da governabilidade; a outra põe os olhos na sucessão presidencial.

Por enquanto, várias métricas são utilizadas para chegar à conclusão de quem venceu as eleições: direita (que direita?), esquerda (que esquerda?), o centro (que centro? O pragmático/centrão?). A métrica dos votos aponta para o pequeno, médio, grandes municípios (acima de 200 mil votos com segundo turno); e as capitais?

Sem maiores discussões, convergem dois dados: venceram os incumbentes reeleitos, especialmente, quando associados à Sua Excelência, as Emendas Parlamentares turbinadas pelas emendas PIX. Esta aliança mostrou-se praticamente imbatível.

No modelo original, o Fundo Eleitoral (Fundo Especial Para Financiamento de Campanha) criado em 2017, sob o argumento de eliminar o financiamento de campanhas por empresa privada, chegou neste exercício a R$ 4,9 bilhões, distribuídos com base no número de deputados federais e senadores eleitos pelas siglas nas últimas eleições. Mais do que o dobro dos R$ 2 bilhões destinados à eleição nacional de 2020.

De outra parte, a modalidade de emenda individual passou a ser chamada PIX, formalmente denominadas “transferência especial”, por conta da “praticidade” da transferência dos recursos para o “caixa” das prefeituras sem a necessidade de a gestão municipal apresentar o projeto ou obra específica da cidade beneficiada. Totalizaram R$ 8,2 bilhões, um terço do valor de R$ 25 bilhões de emendas individuais que são impositivas.

Importante salientar que o Supremo Tribunal Federal foi acionado por duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade, tendo como autores, respectivamente, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ADI 7688) e a Procuradoria Geral da República (ADI 7695), tendo o Ministro Flavio Dino, acompanhado pelos seus pares, mantido suspensa a execução de emendas, reiterando que toda alocação de recursos públicos, independente de sua destinação orçamentária, deve cumprir os requisitos constitucionais de transparência e rastreabilidade, de forma “a assegurar o controle institucional e social do orçamento público”.

Abertas as urnas, os números mostram que nas 178 cidades que mais receberam emendas Pix, segundo dados da Controladoria-Geral da União, a taxa de reeleição foi de 89,3%. Este índice supera a taxa de recondução deste ano, 81,4%, a maior da história, deixando bem longe a taxa de 63,7%, nas eleições de 2008, a mais alta desde então. Isto significa, de acordo como os dados do TSE, que dos 3004 prefeitos que tentaram ser reconduzidos, 2444 assumirão novo mandato a partir de janeiro sem levar em conta os resultados da votação no segundo turno.

Na origem, a luta pelos recursos orçamentários é uma disputa entre poderes cuja nobre missão é fazer funcionar no mundo real a concepção genial de que “só o poder freia o poder”. Está na hora de apelar para o espírito do Barão de Montesquieu e dele escutar, atentamente, o significado da teoria da separação dos poderes, o mais sólido e inquestionável pilar de sustentação do regime democrático. São separados, porém harmônicos; são autônomos, porém interdependentes; se autolimitam em nome do equilíbrio institucional e da convivência pacífica dos cidadãos.

Neste sentido, o risco é enfraquecer o sistema democrático frente à persistência das oligarquias em conluio com o poder invisível, insidioso, sócio corruptor e crescente: o crime organizado. Duas armas são imprescindíveis para enfrentar os inimigos: mais democracia sob o controle público do poder e, como proclama Bobbio: “a educação para cidadania que surge no próprio exercício da prática democrática”.

 

Gustavo Krause foi ministro da Fazenda 

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