Sob Bolsonaro, MEC se tornou caso de polícia
Queira ou não o presidente, o nome disso é corrupção — e ele está enfiado até o pescoço no pântano.
atualizado
Compartilhar notícia
por Editorial de O Globo (23/6/2022)
No cercadinho do Alvorada, nas transmissões ao vivo, em postagens nas redes sociais ou entrevistas, o presidente Jair Bolsonaro sempre fez questão de martelar que, em seu governo, não há corrupção. Trata-se de estratégia de marketing para se distinguir do adversário petista Luiz Inácio Lula da Silva, cujas gestões foram marcadas por escândalos no aumentativo (mensalão e petrolão). Se a propaganda de Bolsonaro já era absurda diante das denúncias que assombram sua administração, com a prisão do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro e dos pastores Arilton Moura e Gilmar Santos, tornou-se insustentável. Bolsonaro agora tem um escândalo de corrupção para chamar de seu.
Ribeiro foi detido em meio à investigação das denúncias que culminaram com sua exoneração em março. Embora não ocupassem cargo, Arilton e Gilmar, também presos, mandavam e desmandavam no ministério. Intermediavam, junto a prefeituras, as verbas bilionárias do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE), que financiam o ensino básico, construção e reformas de escolas, móveis e veículos para transporte escolar.
As denúncias sucessivas de desvios do FNDE já formariam um escândalo sem tamanho. Mas era pior. Para liberar os recursos, função que não lhes cabia, os pastores cobravam propina até em barras de ouro. E era ainda pior. Numa gravação, o então ministro Ribeiro afirmou a prefeitos que a pasta dava prioridade àqueles cujos pleitos tivessem sido negociados pelos dois. Para piorar ainda mais, concluiu: “Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim”. Os dois pastores estiveram 35 vezes no Palácio do Planalto desde o início do governo.
Ribeiro jamais deu explicações convincentes. Quando o caso veio à tona, alegou que já denunciara a dupla à Controladoria-Geral da União (CGU), mas os lobistas continuaram com trânsito livre, e não só no MEC. As explicações de Bolsonaro são ainda mais constrangedoras. Ele resistiu quanto pôde a exonerar Ribeiro, embora sua gestão desastrosa fosse marcada por inépcia e escândalos. Diante das denúncias, fez questão de defendê-lo numa transmissão: “Eu boto minha cara no fogo pelo Milton. Minha cara toda no fogo pelo Milton. Estão fazendo uma covardia com ele”. Depois da prisão, Bolsonaro mudou de tom: “Ele que responda pelos atos dele”. Num esforço para conter os danos eleitorais, afirmou que a prisão é sinal de que não interfere na Polícia Federal. Governos petistas usavam a mesma ladainha.
Eleito com a promessa de combater a corrupção, Bolsonaro passou três anos e meio relativamente incólume pelas denúncias de rachadinhas nos gabinetes dos filhos, pelo escândalo do “laranjal” em seu partido, pelas negociatas para compra de vacinas no Ministério da Saúde e pelos sucessivos descalabros no MEC. Mas as prisões têm uma eloquência própria. Põem em xeque o discurso capenga de que não há corrupção e cobrarão seu preço na urna.
Depois de dois anos de escolas fechadas, a educação brasileira agoniza. A despeito disso, sob Bolsonaro, o MEC virou um caso de polícia. A triste conclusão é que, enquanto o governo encampa o discurso ideológico, a turma aproveita para avançar sobre os escassos recursos públicos, justamente nos setores vitais, onde as verbas são mais generosas. Queira ou não Bolsonaro, o nome disso é corrupção — e ele está enfiado até o pescoço no pântano.