Segurança energética, inflação e insensibilidade social (Eduardo Braga
Tarifas altas e insegurança energética espantam investidores, freiam a competitividade da indústria e estreitam a retomada econômica
atualizado
Compartilhar notícia
Cada vez mais salgada, a conta de luz chega a consumir metade do orçamento doméstico de um em cada quatro brasileiros de baixa renda, segundo dados da IPEC (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica) Quatro em cada dez famílias têm deixado de comprar roupa, sapato e até alimento básico para bancar a tarifa. O custo da energia tem também um impacto pesado sobre as empresas e a inflação. Tarifas altas e insegurança energética espantam investidores, freiam a competitividade da indústria e estreitam ainda mais a possibilidade de retomada da economia.
Sim, a discussão sobre os rumos da Eletrobras, que responde por 30% da energia nacional e é a maior empresa de energia elétrica da América Latina, mexe com o bolso e o futuro de todos nós. É sob essa ótica que aprovamos a capitalização da empresa, no ano passado, e que vamos votar os vetos à MP 1031/21, no início deste ano legislativo.
Paixões ideológicas sempre marcaram a disputa entre defensores e críticos da privatização da companhia. Mas é o compromisso com os interesses do país e dos consumidores, especialmente da parcela menos favorecida da população, que precisa nortear decisões políticas, especialmente num cenário de inflação, crise e desemprego.
Assim como não foi por motivação partidária que fui contrário à venda de distribuidoras da estatal na região Norte, em 2018, também não foi por uma questão ideológica que votei a favor da MP 1031/21, a MP da Eletrobras.
Meu voto, nos dois casos, foi em defesa do consumidor, já tão penalizado pela pandemia e pela crise econômica.
Em 2018, a Amazonas Energia estava atolada em dívidas e a tarifa de energia elétrica daria um salto com a privatização da distribuidora. Além disso, não havia sido fechada qualquer garantia de não interrupção de serviços nas áreas mais remotas, comuns na região.
No caso da MP da Eletrobras, a situação era inversa. Décadas de atuação como empresa estatal nunca asseguraram ao Brasil energia barata e confiável. Pelo contrário. Pagamos a segunda tarifa mais cara do mundo e convivemos há anos com apagões e ameaças de racionamento.
A crise hídrica do ano passado deixou óbvia a falta investimento e de planejamento estratégico para manter e ampliar a geração e a distribuição de energia elétrica no Brasil. Com o governo acuado pela crise fiscal e enonômica, a saída é apostar na capacidade de investimento do setor privado. A capitalização da Eletrobras, ou seja, a venda de parte das ações da União, pode garantir recursos para um salto de eficiência energética e, por consequência, um salto na competitividade da indústria, na retomada do crescimento e na geração de empregos no país.
Foi um esforço político enorme redesenhar o modelo de privatização apresentado inicialmente, de modo a proteger uma área estratégica para a nação e a defender o direito do consumidor a um serviço de qualidade, sem a cobrança de taxas abusivas. Algumas das vitórias nas negociações entre governo e lideranças foram a garantia do poder de veto da União nas assembleias, por meio da golden share, a descotização gradual da energia das usinas, a criação de programas de revitalização dos recursos hídricos e um programa de redução tarifária da Amazônia Legal.
Outra conquista foi a possibilidade de contratação de energia de reserva de termelétricas movidas a gás natural, mesmo em regiões ainda não abastecidas por gasoduto.
O que mais pesou, no entanto, a favor da MP 1031/21 foi o cuidado com a modicidade tarifária. Em bom português, o cuidado com o bolso do consumidor. Emenda de minha autoria assegurou impacto menor de eventuais aumentos das contas de luz, por meio do reforço, em cerca de mais R$ 10 bilhões, da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), um fundo setorial usado para reduzir as tarifas de energia. A possibilidade de uma garantia física real para o setor elétrico é outra medida para aliviar as taxas ao consumidor.
É inaceitável que esse acordo, costurado a duras penas, seja rasgado pela insensibilidade social do governo, que vetou a autorização para que funcionários da Eletrobras possam comprar ações da União, com desconto, assim como a obrigação de que empresas públicas federais contratem os trabalhadores demitidos sem justa causa. Nosso compromisso é derrubar esses e outros vetos.
Hoje a contratação de térmicas a óleo engorda a conta de luz e consome o poder de compra de ricos e pobres (mais dos pobres que dos ricos). Mesmo assim, as bandeiras tarifárias não conseguem cobrir os custos da crise e os déficits das distribuidoras.
Castigado pela pandemia e pela má gestão da máquina estatal, o Brasil merece, com certeza, mais eficiência e menores custos na geração e distribuição de energia. Mais que isso. Merece e precisa de mudanças radicais na matriz energética nacional. Mas essa já é uma outra história…
Eduardo Braga é senador pelo AM, líder do MDB no Senado