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Sandías e cojones (por Mary Zaidan)

Apoio de Salles à tentativa de golpe na Bolívia pode causar asco, mas não é crime 

atualizado

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Bruno Spada / Câmara dos Deputados
O deputado federal Ricardo Salles, do PL de São Paulo
1 de 1 O deputado federal Ricardo Salles, do PL de São Paulo - Foto: Bruno Spada / Câmara dos Deputados

“En Bolivia las melancias tienen cojones…”, escreveu o deputado bolsonarista Ricardo Salles (PL-SP) em apoio aos militares bolivianos durante a fracassada intentona contra o governo de Luís Arce, na última quarta-feira. A reação de repúdio nas redes sociais foi imediata, acrescida por um abaixo-assinado #ForaSalles, uma representação do PSOL contra o parlamentar na Procuradoria-Geral da República e na Comissão de Ética da Câmara. Mesmo tomada pela indignação, torço para que nada disso vingue. Afinal, ele tem, como qualquer um de nós, o direito assegurado à opinião. Mas com o dito, o ex-ministro renovou seu já conhecido escárnio à democracia.

A incontrolável excitação de Salles escancara a sua alma golpista, que havia sido revelada parcialmente quando pregou “passar a boiada” para aprovar regras ambientais sem o escrutínio da imprensa, focada à época na cobertura da Covid-19. Até aquela fatídica reunião ministerial de abril de 2020, o ex-secretário do Meio Ambiente do governo Geraldo Alckmin, alçado a ministro por Jair Bolsonaro, ainda não havia mostrado sua cara. De bom menino que gostava de ser visto como moderado e centrista, lançou-se em disparatada carreira rumo à direita radical, da qual se tornou um dos principais expoentes.

Na frase curta em espanhol tosco  – melancia é sandía entre os hispânicos -, Salles lança mão da mesma chacota utilizada pelo bolsonarismo para se referir a militares que teriam se acovardado para manter o ex no poder mesmo depois da derrota eleitoral. Eram os melancias de uniforme pátrio verde e interior vermelho, portanto, comunista.

O vexame do deputado se agravou quando, poucas horas depois do elogio aos “colhões” bolivianos, o golpe se mostrou pífio. O líder da patacoada, o ex-comandante do Exército Juan José Zúñiga, até tentou encenar uma farsa. Afirmou que tudo havia sido combinado previamente com o próprio Arce para alavancar a popularidade em baixa do presidente, versão que se mostrou inverossímil. Zúñiga e outros 20 militares estão presos. Salles, mudo.

O que mais perturba é que Salles não está sozinho. No X (ex-Twitter), ele foi execrado por muitos, mas incensado por outros tantos, em uma demonstração claríssima de que entre nós ainda sobrevivem centelhas golpistas. Pior: os esforços para penalizar o deputado agem no sentido oposto do que seria aconselhável. Permitem que ele use em seu favor os princípios consagrados da democracia, a mesma que ele detona. Reside aqui uma das dificuldades da esquerda e até mesmo dos mais ao centro em lidar com os arreganhos da direita extrema.

Impropriedades e besteiras são ditas de um lado e de outro, mas tanto uma quanto a outra banda acham que elas têm de ser judicialmente punidas. Defender a cassação de Salles pelo apoio aos golpistas bolivianos é tão inútil quanto querer suprimir o mandato do presidente Lula por ele dizer que a Venezuela do ditador Nicolás Maduro tem “democracia demais”.

Confiar à Justiça questões desse tipo, em que o cerne é o direito à opinião, é anti-didático. Dá armas aos que querem detonar a democracia, entregando à letargia dos tribunais temas que poderiam mobilizar a sociedade. Basta ver a redução da tração dos julgamentos dos golpistas do 8 de janeiro de 2023.

Na sexta-feira, o Supremo Tribunal Federal formou maioria de votos para condenar Antônio Cláudio Alves de Oliveira, que, na invasão ao Planalto, quebrou um relógio histórico doado ao Brasil por Dom João VI. A pena, ainda não fixada, deve bater nos 17 anos de prisão, dosimetria já aplicada a outros condenados e criticada por muitos.

A dispersão de energia em provocações à la Salles, que sabidamente vão dar em nada, só interessa aos golpistas. Eles lançam a isca e a esquerda morde. Enquanto isso, os peixes grandes, planejadores e financiadores dos atos golpistas, nem entram na mira das investigações. E na Câmara, a anistia tropical avança.

Mary Zaidan é jornalista 

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