Sai o homo sapiens; quem entra? (por Eduardo Fernandez Silva)
Certa família de hominídeos, mirando mui seletivamente seus feitos, declarou-se a única espécie sapiens
atualizado
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Certa família de hominídeos, mirando mui seletivamente seus feitos, declarou-se a única espécie sapiens. Fier (orgulhosa) e arrogant (arrogante) arrogante, aceitou o apelido. Olhasse o conjunto da obra, que nome se daria?
Quem sabe Homo bellatur (guerreador), dadas as muitas guerras guerreadas? Ou talvez Homo credulus (crédulo), já que muitas destas foram lutadas em nome de falsos credos, seja em deus outra construção mental, chamada pátria ou dinheiro? Que se repete hoje, nos muitos “nós contra eles” (Ocidente x Oriente, Esquerda X Direita, Fla X Flu etc. )?
São muitas as faces e conflitos da família, designada, leviana e apressadamente, sapiens. Homo Terminator (exterminador) seria um nome razoável se nos lembrarmos das muitas espécies animais e vegetais exterminadas em razão de nossos “feitos”.
Poderia, talvez, a família ser denominada Homo cooperans (cooperativo), ou benignus (amável), ou mesmo adminicula (solidária), em razão dos muitos episódios de cooperação, solidariedade e amor vividos, apesar de todos os crimes cometidos? Seria, em razão destes, melhor chamar a família de scelestus (criminosa)?
Hoje, que tal chamarmo-nos accumulator, já que predominam os esforços para o “crescimento” ou acumulação? Ou, quem sabe, slaver, para não esquecermos dos milhões escravizados por outros da mesma família? Ou, quem sabe, dada a milenar persistência da desigualdade e da pobreza, deveríamos nos qualificar como indifferens paupertatis (indiferentes à pobreza)?
Homo discipulus (aprendiz) é outra possibilidade, pois em muitos campos da experiência, mas não em todos, vivemos apreendendo. Precisamos agora, com urgência, capacitarmo-nos ainda mais a promover e a aceitar mudanças de hábitos e expectativas, pois disso depende nossa sobrevivência em face da desregulação do clima que alguns de nós promovemos. Diante da postergação de ações transformadoras para minimizar as mudanças climáticas e a degradação da base que nos sustenta, a biosfera, como nos qualificar? Stultus (idiota)? Caecus (cego)? Incautum (imprevidente)?
Ao longo dos séculos, muitos continuam a crer que São Sebastião, hoje chamado novas tecnologias, virá nos salvar. Seríamos então Homo bonae spei (esperançoso)? Ou melhor seria o Homo qui ambulant sicut ebrii (que andam como ébrios), pois, como ébrios, andamos há milênios avançando e recuando, à direita e à esquerda, sem focar diretamente o que interessa, que é a qualidade de vida, sem vender a ilusão de isso ser subproduto da cumulus (acumulação)?
De fato, somos multiple (múltiplos), somos tudo isso, e muito mais! É tempo de a ideia de sermos principalmente sapiens seja substituída pelo reconhecimento dessa multiplicidade, aceitação das diferenças, promoção da cooperação e, face à stulticiam daqueles que nos dirigem, substituir estes, em sua grande maioria bellatur, com urgência, pelo homo pacificus, cooperans et adminicula (pacífico, cooperativo e solidário). Assim, nossos filhos e netos terão melhores chances de viver com qualidade de vida!
Eduardo Fernandez Silva. Ex-Diretor da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados