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Resistência ao autoritarismo (Por Ilona Szabó e Melina Risso)

A ascensão de candidaturas que se apresentam como anti establishment em resposta ao descontentamento popular

atualizado

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1 de 1 imagem colorida. Marine Le Pen discursando - Foto: Flicker/Reprodução

O protagonismo de lideranças que flertam com o autoritarismo tem levantado inúmeras preocupações sobre o futuro das democracias ao redor do mundo. Só no último mês, exemplos incluem a composição de um Parlamento Europeu majoritariamente conservador, a coalizão de extrema direita de Marine Le Pen, formada para as eleições francesas, e o risco de reeleição de Donald Trump nos Estados Unidos, inflamado pelo recente atentado ao candidato americano do Partido Republicano, acelerando a trajetória da polarização que pode potencializar ciclos de violência.

Estes líderes representam uma tendência inquietante: a ascensão de candidaturas que se apresentam como anti establishment em resposta ao crescente sentimento de descontentamento popular frente à condição econômica, social e política de seus países em meio a uma avalanche de desinformação. O problema é que quando assumem, desmontam as instituições de dentro para fora e com elas os pesos e contrapesos tão fundamentais para uma democracia saudável, concentrando poder e reduzindo os meios de responsabilização.

No Brasil, essa ameaça materializou-se durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, que empregou diversas táticas para consolidar sua influência e restringir o espaço cívico, como claramente exposto e evidenciado pelas operações da Polícia Federal “Vigilância Aproximada” e “Última Milha” sobre a chamada “ABIN paralela”, que revelaram o uso da agência oficial de inteligência do país para espionar políticos, jornalistas e organizações sociais.

Durante seu mandato, vimos o ex-presidente atacar a imprensa, perseguir organizações da sociedade civil (sobretudo as ambientalistas), deslegitimar o processo eleitoral e flexibilizar leis de controle de armas e munição, criando um ambiente propício para a formação de milícias armadas. Sua administração foi marcada por dezenas de decretos e interferências políticas nos órgãos públicos e judiciais, subvertendo as suas funções, desequilibrando os três poderes, minando a confiança nas instituições e reduzindo os espaços de participação abertos ao público.

Foi para analisar as principais estratégias então utilizadas que, em pleno governo Bolsonaro, o Instituto Igarapé criou o GPS do Espaço Cívico, a partir de uma tipologia desenvolvida para monitorar diariamente os ataques à democracia brasileira. No período de janeiro de 2021 a 31 de dezembro de 2022, foram monitorados 3.088 ataques ao espaço cívico no Brasil. Ao longo deste tempo, as principais táticas observadas incluíram a disseminação de notícias falsas e campanhas de desinformação, com 1.154 episódios (37% dos casos monitorados), táticas de intimidação e assédio contra críticos e opositores, com 578 casos (19% do total), seguidas pelo abuso de poder, que foi documentado em 412 casos (13%).

No entanto, a sociedade civil brasileira demonstrou uma capacidade notável de resistência, adaptando-se e reagindo às ameaças contínuas de maneira criativa e eficaz. O resultado do desmonte do Estado brasileiro e das políticas públicas só não foi pior porque a sociedade civil brasileira é vibrante, diversa e ativa.

Mapeamos algumas formas de atuação utilizadas, como, por exemplo, a identificação e a formação de alianças com atores estratégicos, tanto nos governos municipais e estaduais, como no Congresso Nacional, fazendo com que muitas vezes a pauta do executivo federal não avançasse. Além das alianças, o caminho judicial também foi utilizado na defesa da democracia, seja no âmbito nacional, com julgamentos de Ações de Inconstitucionalidade e defesa de pessoas injustamente acusadas, como no âmbito internacional, com denúncias em cortes e organismos internacionais para aumentar a pressão sobre o governo brasileiro.

O combate à desinformação foi outra peça central na proteção do processo democrático. Em resposta a compartilhamentos de notícias falsas nas redes sociais e campanhas de perseguição, organizações da sociedade civil desenvolveram formas de monitorar o ambiente digital, identificar e combater a disseminação de fake news e criar redes de denúncia e checagem de fatos, muitas vezes em colaboração com a mídia tradicional e com o Tribunal Superior Eleitoral.

Apesar das importantes vitórias, os desafios persistem. Ainda há um longo caminho para reconstruir a confiança nas instituições públicas, reduzir a polarização, combater as redes de desinformação e fomentar alianças de amplo espectro democrático.

A resistência contra o fechamento do espaço cívico segue exigindo colaboração, financiamento e articulação entre diferentes atores.  As ameaças anti-direitos e anti-democráticas persistem, e será necessário repensar e coordenar esforços para proteger e fortalecer a democracia, mantendo a vigilância, a proatividade, e desenvolvendo novas estratégias. Não podemos baixar a guarda.

Ilona Szabó é presidente e cofundadora do Instituto Igarapé. Melina Risso é diretora de pesquisa do Instituto Igarapé; artigo transcrito do Le Monde Diplomatique Brasil – https://diplomatique.org.br/

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