Recordar é viver] – Bimbolem os sinos (Por Luiz Fernando Verissimo)
Dizem que Papai Noel foi visto fazendo churrasco das renas na beira de uma estrada no Norte vendendo os presentes das crianças
atualizado
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É Natal! É Natal! Bimbolem os sinos. Neva em Caruaru, onde nunca nevou antes, um feliz prenúncio de cocacolização total da nossa maior festa, depois do carnaval e das pernas de fora da Ivete Sangalo. Tartaruguinhas recém-nascidas correm na direção do mar, não para seguir seu destino biológico, como se pensa, mas para fugir do governo Bolsonaro antes que seja tarde, acenando bandeiras verde e amarelas como disfarce. Mas nem tudo é estados unidos no novo Brasil das queimadas, do ministro do meio ambiente que cuida só do meio porque o ambiente cuidará de si mesmo e do ministro da saúde que ainda não decorou o endereço do ministério. Chegam notícias inquietantes do nosso interior. Dizem que Papai Noel foi visto fazendo churrasco das renas na beira de uma estrada no Norte, sob a neve, e vendendo os presentes das crianças com desconto.
Mas é Natal! É Natal! Tudo se perdoa, tudo se esquece e tudo se justifica. O Brasil é o único país do mundo que é sua própria explicação. O único incomparável, pois só é comparável a si mesmo, dispensando exemplos, metáforas e alusões vindos de fora. O único que se basta como autoparódia. Você, brasileiro amador que ainda não se entendeu, pode evocar o Brasil que quiser sem medo de exagerar: é só imaginá-lo que ele se torna verossímil. Quem, anos atrás, acreditaria num governo Bolsonaro? E, no entanto, aí está ele, governando ou coisa parecida, sem máscara, o incrível homem elástico que, diariamente, desmente a si mesmo e todo o mundo aplaude. Imagine o seguinte: o Rodrigo Maia é um dos dezessete filhos do Bolsonaro, um parentesco que ninguém conhecia e o presidente nunca revelou. O desentendimento entre os dois é, na verdade, apenas um racha normal entre pai e filho. Impossível? No Brasil, “impossível” é apenas o outro nome de “vamos ver”.
É Natal, gente! É Natal! Um dia o país acordou e deu com o Planalto cheio de generais sem voto postos lá por um capitão no meio da noite, o único golpe militar secreto da história dos golpes militares. Nem seu comportamento na tragédia da pandemia acabou com o mito da eficiência militar. Se um general não der certo, ponha-se outro no seu lugar, e que bimbolem os sinos.
(Artigo aqui publicado em 24/12/2020)