Rebeca teve de assumir a grandiosidade de Simone (Por Diogo Cardoso)
A brasileira percebeu que seria demasiado difícil bater Biles e optou pela prudência de ser a melhor entre as comuns mortais.
atualizado
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Neste sábado, na Arena Bercy, que tanta magia já viu nestes Jogos Olímpicos, a brasileira Rebeca Andrade tinha de ter um plano especial. Era a única forma de ser campeã olímpica de salto, na ginástica artística, porque estava a competir com a melhor ginasta da história. Mas não conseguiu, já que preferiu não arriscar tanto e garantir a prata – e quem a pode criticar? Mas já lá vamos.
Primeiro, Biles. Lidar com Simone Biles é lidar com um nível muito especial de grandiosidade e, por especial que também seja o plano para a derrubar, parece sempre pouco. E é mesmo – a norte-americana correu, saltou, aterrou, sorriu, agradeceu e colheu os aplausos de quem sabe que talvez não veja mais nada como aquilo nas próximas décadas.
A americana fez o seu habitual Biles II, de 6,4, e a seguir um salto menos sobrehumano, mas ainda assim de 5,6. Acertou os dois, aterrou nos dois e teve duas notas altíssimas – e em ambos os saltos já estava a sorrir antes de terminar a recepção, o que atesta a confiança com que faz coisas deste tipo.
Roça a heresia minimizar ou retirar foco a uma vitória de Biles, mas é a sina de quem vence tanto – a dada altura, o foco está em ver que tipo de réplica dão as adversárias, mais do que em saber se há ou não vitória.
Vamos, portanto, falar de Rebeca Andrade.
A brasileira ficou com a prata e fez o que podia. Para este sábado, a única forma de vencer seria a ginasta apresentar ao mundo o seu novo salto – um Yurchenko triple twist, uma variante do que costuma fazer, mas com tripla pirueta, em vez de “apenas” dupla.
Porquê? Porque fazendo o que fez sempre nestes Jogos, com um grau de dificuldade de 5,6, dificilmente venceria Biles – teria de ser perfeita no dela e esperar um desastre da americana, que parte com um salto de 6,4, o mais difícil do código de pontuação da ginástica.
Rebeca tinha, portanto, de levar aos juízes a sua nova criação, inédita na ginástica, que vai aos 6,0. Seria ainda abaixo do de Biles? Sim. Mas seria a única forma de, contando com um pequeno deslize de Biles, poder equilibrar a nota final da execução.
Mas não quis. O salto era de nível de dificuldade altíssimo e tentar algo assim, sem sucesso, seria correr o risco de dizer adeus à prata – e ao bronze.
A brasileira percebeu que a probabilidade de bater Biles era muito baixa – mesmo com a sua nova criação – e que, por isso, seria mais prudente assegurar a melhor posição entre as comuns mortais. E quem pode criticá-la? Ser a melhor do planeta, a seguir a Biles, não é desonra alguma. E Rebeca sabe disso
Na Bercy Arena, na capital gaulesa, havia grande expectativa sobre se a brasileira iria tentar o salto que tinha vindo a guardar para a final. “Não sei se é carta na manga. Toda a gente sabe que eu anunciei que ia saltar triplo, mas vai depender muito de como vou estar no dia. Se eu chegar aqui no sábado e me sentir excelente, pode ser que faça. Mas posso sentir-me excelente e também não fazer. Temos de colocar na balança e ver o que vale a pena fazer”, disse a brasileira, antes da prova.
Acabou por decidir ir pela segurança e, quando a brasileira acabou os seus saltos, Biles fez um sorriso que a denunciou. Notava-se que a americana sabia que, não sendo Rebeca, não seria mais ninguém. Ainda faltavam atletas, mas o ouro era dela.
O “Andrade”, como se chamará o salto quando Rebeca for a primeira a fazê-lo, vai, assim, ficar para outro dia. Este será o segundo salto mais difícil do código de pontuação da ginástica artística feminina, só superado pelos 6,4 atribuídos ao Biles II. Não foi agora, mas há-de ser. O problema de Rebeca é apenas a existência de Simone Biles.
(Transcrito do jornal PÚBLICO)