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Quem tiver mais votos leva (por  Mary Zaidan)

Premissa da democracia, afirmação surpreende por trair a natureza golpista de Bolsonaro 

atualizado

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Imagem colorida de cabine de votação - urna eletronica
1 de 1 Imagem colorida de cabine de votação - urna eletronica - Foto: Hugo Barreto/Metrópoles

Luiz Inácio Lula da Silva é o favorito. Ganhou o primeiro round e, de acordo com as pesquisas de intenção de voto, se manteve à frente em uma disputa surreal, na qual nada – nem as mentiras em série e as seguidas tentativas do adversário de melar o pleito – mexeu com a estabilidade dos números. Mas o embate nas urnas será duro – e o final da tarde deste domingo, tenso, aflitivo.

Em 2 de outubro, Lula só assumiu a liderança na contagem oficial do TSE três horas depois do início da apuração, quando já estavam contabilizadas 73,3% das urnas. Só aí começou a chegar o grosso dos boletins do Nordeste e de partes de Minas, que lhe deram a vantagem de 6 milhões de votos sobre o presidente Jair Bolsonaro.

Desta vez, ainda que o processo seja mais célere sem os candidatos a senador, deputados federal e estadual, e com disputa ao governo em apenas 12 estados, Bolsonaro, preferido no Sul e no Sudeste, pode liderar durante boa parte da apuração. E, embora tenha causado surpresa ao dizer, sem condicionantes, que “quem tiver mais votos leva”, não causará espanto se ele declarar vitória antes do encerramento da apuração, como o jornalista Ricardo Noblat antecipou neste Blog.

Essa seria apenas mais uma tentativa alucinada do presidente, um mau perdedor que, como menino mimado, costuma achar que é dono da bola, e sempre que sofre um revés dá o jogo por encerrado.

O compromisso com o resultado das urnas é premissa da democracia, mas ganhou ares de excepcionalidade por vir de alguém que coleciona exemplos de sobra de se lixar para isso. A começar pelo jeito esculachado com que trata os Poderes, em especial o Judiciário, contra o qual desferiu dezenas de ameaças.

Mais: o obrigatório respeito à escolha do eleitor não corresponde ao comportamento golpista de Bolsonaro. Se ele demorou seis semanas para reconhecer a vitória de Joe Biden sobre Donald Trump, imaginem a dele próprio. Um ponto adicional para a justificada dúvida sobre a veracidade do “quem tiver mais votos leva”.

Não é de hoje que o choro por uma eventual derrota está pronto, ensaiadinho. Vai da suspeição das urnas eletrônicas, com as mentiras deslavadas de “inconsistências” – as mesmas que não foram encontradas nem pelo TCU nem pelas Forças Armadas que ele meteu na fiscalização das eleições, ao arrepio da Constituição -, ao “roubo” de inserções de propaganda gratuita em emissoras de rádio do Nordeste.

O fantasioso caso de sonegação de inserções foi negado até por quem fez a denúncia, diga-se, sem pé nem cabeça: Fábio Faria, ministro das Comunicações de Bolsonaro. “Eu me arrependi”, disse ele na sexta-feira, ao admitir que a falha não era nem do TSE nem das rádios, mas do partido do presidente, o PL, que não enviara as inserções a tempo. Mas para Bolsonaro, o dito ficou pelo não dito. Ele continuou e continuará usando a ficção para se fazer de vítima. Seu filho Eduardo chegou a propor o adiamento das eleições. O outro, Flávio, a cassação da chapa de Lula. Patacoadas que não tiveram apoio nem mesmo no QG bolsonarista.

Saber encarar uma eventual derrota é simbólico. Diz muito sobre a feição democrática ou não de um candidato.

Mesmo com todos os ventos a favor, Lula já demonstrou o respeito que tem pela escolha popular: “Eu, quando perdia as eleições, voltava para casa para lamber as feridas e esperava quatro anos”, disse em entrevista ao humorista Paulo Vieira.

Mario Covas, ex-governador de São Paulo, dizia que a derrota era didática, instrutiva. Indicava a distância do candidato com as demandas do povo. Luta-se para vencer, mas não há espaço na democracia para os que rejeitam a vontade popular. Simples assim.

Ainda que inútil, cabe um apelo a Bolsonaro: se reeleito, pelo menos trabalhe. Tente honrar os votos recebidos, governando para todos e não só para os seus. Se perder, vá para casa.

Mary Zaidan é jornalista 

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