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Quem merece anistia na política? (por Adriana Vasconcelos)

Candidatas saem endividadas da campanha passada, simplesmente por não terem recebido a parte que lhes cabia dos recursos do Fundo Eleitoral

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Imagem colorida de cabine de votação - urna eletronica
1 de 1 Imagem colorida de cabine de votação - urna eletronica - Foto: Hugo Barreto/Metrópoles

Dá para imaginar a situação de uma senhora negra, de 72 anos, viúva, líder de bairro, que teve a casa pichada e hoje tem medo de sair às ruas por conta da cobrança implacável que vem sofrendo de fornecedores que a atenderam em sua campanha nas eleições de 2022?

Ouvi, recentemente, esse relato da senadora Soraya Thronicke (MS), atual presidente nacional do União Brasil Mulher, ao se queixar das dificuldades enfrentadas por várias candidatas de seu partido, que saíram endividadas da campanha passada, simplesmente por não terem recebido a parte que lhes cabia dos recursos do Fundo Eleitoral.

Segundo a senadora, muitas dessas candidatas hoje endividadas _ como essa senhora, que ela prefere não identificar nominalmente, para não prejudica-la ainda mais _ foram recebidas com tapete vermelho e garantias de financiamento quando aceitaram o convite de dirigentes partidários para participar do pleito passado e, assim, ajudaram tais legendas a cumprir a cota mínima de gênero, de 30%, estabelecida pela legislação eleitoral desde a década de 90.

Driblando a lei

Desde então, segue escancarada a falta de interesse de partidos políticos em abrir espaço para lideranças femininas e também de negros na política, o que levou parte a maior parte dessas legendas a buscar alternativas para driblarem a lei:

  • Primeiro, no lançamento de candidatas laranjas, sendo que muitas delas sequer eram comunicadas oficialmente do fato.
  • Mais recentemente, tentando driblar a obrigatoriedade de aplicação de 30% do Fundo Eleitoral em candidaturas de mulheres, diluindo esse dinheiro em chapas encabeçadas por homens, que passaram a escolher mulheres como vice ou suplentes para o Senado com mais frequência, por puro interesse financeiro.
  • A mais perversa, no entanto, são as anistias partidárias consecutivas, garantidas pelo Parlamento, desestimulando futuras candidaturas de mulheres e negros.

A mais recente anistia partidária foi aprovada na calada da noite, em março do ano passado, e garantiu isenção para os partidos que não atenderam a determinação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Supremo Tribunal Federal (STF), que tornaram obrigatória a aplicação de 30% dos recursos do Fundo Eleitoral em candidaturas femininas desde 2018 e também de negros, desde 2022.

Os opostos unidos

Eis que mais uma vez, em pleno mês de março, quando o mundo comemora o Dia Internacional da Mulher, o deputado Paulo Magalhães (PSD-BA) protocolou uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para garantir a extensão da anistia já garantida aos partidos nas eleições de 2018 e 2020, para aqueles que também não cumpriram a lei no ano passado.

O mais curioso é que a PEC contou com as assinaturas dos líderes do governo, deputado José Guimarães (PT-CE), e da oposição, deputado Carlos Jordy (PL-RJ), sinalizando que mesmo adversários ferrenhos podem se unir contra a ampliação da participação feminina e de negros em espaços de Poder.

Saída negociada

A nova anistia, como seria de se esperar, não agrada em nada as mulheres e negros prejudicados nas últimas eleições, mas barrar simplesmente a iniciativa em tramitação na Câmara dos Deputados tampouco resolverá o problema imediato deles.

Assim sendo, a Quero Você Eleita, um laboratório de inovação política criado em 2020, deflagrou um movimento na semana passada junto as bancadas femininas da Câmara e do Senado para encontrar uma saída negociada para essa questão.

A ideia é propor que os partidos que descumpriram as exigências constitucionais só recebam a anistia, mediante o depósito dos recursos não aplicados corretamente na campanha de 2022 em um fundo transitório, que teria como finalidade principal saldar as dívidas de campanha de mulheres e negros.

Esse é um assunto que merece uma reflexão de toda a sociedade: quem de fato precisa e merece anistia e apoio na política brasileira?

 

*Adriana Vasconcelos, jornalista há 35 anos e consultora da Quero Você Eleita

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